A VERDADE DO EVANGELHO
MEMÓRIAS DE CHARLES G. FINNEY

por Charles G. Finney

CAPÍTULO II

 

CONVERSÃO A CRISTO

 

Numa noite do dia do Senhor (domingo), no Outono de 1821, decidi então que iria resolver prontamente a questão sobre a salvação da minha alma e que se me fosse possível, trataria de ter paz com Deus imediatamente. Mas por estar absorvido em muitos afazeres no escritório, vi desde logo que sem uma firmeza em propósito nunca chegaria a fazê-lo ou torná-lo possível. Resolutamente decidi desde logo que, dentro do que me fosse possível, evitaria estar ocupado demais nos assuntos do escritório e que tudo o que pudesse consumir a minha atenção seria posto de parte para que tivesse como me entregar inteiramente à obra da salvação da minha alma. Esta resolução foi de imediato posta em prática de forma tão severa quanto drástica. Mas estava comprometido com as coisas do escritório sem que tivesse como evitar. Porém, conforme aquela providencia de Deus proporcionou, não estava muito ocupado nem às segundas nem às terças-feiras; teria como me entregar por inteiro à leitura da Bíblia e à oração nesses dois dias.   

Era um homem muito orgulhoso quase sem o saber. Eu supunha de mim mesmo pretensiosamente que não me importava com a opinião dos outros sobre a minha pessoa, daquilo que pudessem vir a pensar de mim. De facto frequentava as reuniões de oração solitariamente, na mesma medida da atenção que prestava à religião. Mas descobri então que, assim que comecei a pensar resolver a questão da minha salvação, não gostava que alguém chegasse a saber o que se passava nos meus pensamentos. Nuca permiti que a igreja ficasse com uma ideia de que estaria num estado de ansiedade e na busca de salvação. Quando orava, apenas murmurava uma oraçãozinha sem jeito no escritório, mas apenas depois de tapar o buraco da fechadura na porta, não fosse alguém descobrir que estava orando. Antes dessa altura, tinha uma Bíblia em cima da minha secretária como parte integral de todos os meus livros de direito. Nunca tal coisa me havia ocorrido ter qualquer tipo de vergonha ou preconceito de a ter lá com meus livros, sentir-me embaraçado caso alguém me surpreendesse a lê-la &endash; não mais do que me encontrarem a ler qualquer um dos meus livros de direito.

Mas assim que me ocupei com seriedade com a questão da salvação da minha alma, punha a minha Bíblia tanto quanto me era possível fora da vista de quem a pudesse vislumbrar. Se por acaso fosse descoberto a lê-la, de imediato punha os meus livros sobre ela para que ninguém viesse a pensar que a estava lendo, disfarçando para que ninguém pensasse que havia estado com a minha mão na Bíblia. Em vez de falar sobre o assunto da minha salvação com alguém, descobri que não desejava de maneira nenhuma falar com ninguém. Não queria ver o meu pastor por perto, porque não queria que viesse a saber o que se passava em mim. Não confiava que ele pudesse ou tivesse como entender o meu caso e que me soubesse apontar na direcção certa e desejável. Pelas mesmas razões evitava as conversas com os presbíteros da igreja ou com qualquer outro crente. Tinha imensa vergonha de que viessem a descobrir e saber como me sentia, por um lado. Por outro, temia que ninguém me soubesse mostrar com precisão o caminho que devia seguir. Senti uma necessidade de me fechar com a Bíblia a sós e manter-me assim isolado tanto quanto podia.

Às segundas e terças a minhas convicções subiam de tom, mas ao mesmo tempo sentia o meu coração cada vez mais endurecido. Não conseguia verter uma singular lágrima, não conseguia orar. Nunca tivera a oportunidade de orar acima da voz da minha respiração e com alguma frequência sentia que se estivesse num local onde pudesse dar largas a toda a minha voz, encontraria o tal alívio que buscava na oração. Era acanhado e evitava na medida que me era possível, falar sobre o assunto. Torneava sempre a questão de maneira a que ninguém conseguisse saber o que se passava em mim, que estava na eminência de me desejar salvar. Na terça-feira estava numa ansiedade enorme e muito nervoso. Uma estranha sensação que estaria para morrer, apoderou-se de mim. Sabia de antemão que se viesse a morrer, estaria condenado ao inferno. Acalmei-me, no entanto, o mais que pude, até a manhã romper.

Logo pela manhã, a caminho do escritório, um pouco antes de lá haver chegado, algo parecia estar a confrontar-me. Algo me dizia abertamente: "que esperas para te decidir? Não prometeste entregar todo o teu coração a Deus? O que estás a tentar conseguir com tudo isto? Estás a tentar operar por uma justiça tua, própria?" Foi aqui, nesse momento que toda aquela questão do evangelho como que se abriu para mim. Vi ali, tanto quanto sei, o perfeito trabalho de reconciliação que Cristo conseguiu na cruz. Nunca em toda a minha vida iria ver tão claro, tal coisa. Vi como a Sua obra era soberana, uma obra terminada, à qual nada tinha a acrescentar. E como em vez de tentar recomendar-me a Deus através duma justeza própria, tinha apenas que me submeter àquela justiça já conseguida em Cristo, submeter-se logo a Cristo. Transpareceu-me ser uma oferta tal que valia muito a pena receber, como algo que nunca devia enjeitar. Desde logo vi que a única coisa que tinha de fazer, seria consentir que tivesse como deixar todo e qualquer um dos meus pecados, aceitando o Senhor. Salvação, pareceu-me desde logo, seria algo válido e valioso demais para desperdiçar, como algo a que nada teria a acrescer por obras minhas, toda ela estando à minha mercê em Cristo, que, por sua vez se me foi apresentado como Deus e Salvador. Sem que me houvesse apercebido de tal coisa, estava parado no meio da estrada a pensar em tudo aquilo, ali onde aquela voz me havia arrastado para dentro destas verdades. Quanto tempo estive ali naquele estado, não sei precisar. Mas momentos depois de todo este panorama de salvação se haver aberto à minha mente, algo me fazia dizer dentro de mim a mim mesmo: "Vais aceitar agora? Hoje?" Eu disse "Sim, vou resolver isso hoje mesmo, ou isso ou morro na tentativa para o conseguir!"

A norte da vila de Adams, depois dum monte, havia uma floresta onde eu passeava quase diariamente, dependendo do estado do tempo. Era Outubro e o tempo das minhas frequentes passeatas por ali já haviam passado há muito. Mesmo assim, em vez de me direccionar para os escritórios, flecti para o bosque, sentindo que deveria estar só, bem distante de qualquer ser humano, longe dos olhos e ouvidos das pessoas, num lugar onde pudesse derramar todo o meu coração diante de Deus em pessoa. Mas o meu orgulho resolveu dar sinais grosseiros de si. Enquanto caminhava, ocorreu-me que alguém poderia estar a ver-me e a suspeitar sobre aquilo que estaria na eminência de fazer. Não queria que alguém suspeitasse sequer que ia orar. Ninguém, provavelmente suspeitaria de algo assim, caso fosse visto a ir em direcção ao bosque. Tão grande era o meu orgulho e tão violento era aquele temor ao homem que me possuiu, que recordo haver-me esgueirado por baixo da vedação o mais rápido que pude para embrenhar no bosque o mais longe possível da vista de humanos, para que ninguém tivesse como me ver a partir da vila. Penetrei na mata meio quilometro, passei para o outro lado do monte que havia depois da vila e achei um local de oração. Umas árvores grandes haviam caído cruzando-se umas sobre as outras, criando uma espécie de aposento no meio delas. Entrei nesse aposento e ajoelhei-me para orar a Deus. Recordo que dissera a mim mesmo a caminho daquele bosque, que entregaria todo o meu coração a Deus, custasse o que custasse. Disse vezes sem conta, repetindo para mim mesmo esta promessa: "entregarei todo o meu coração a Deus, ou nunca mais sairei do bosque; não sairei daqui sem haver resolvido a minha vida com Deus!"

Mas assim que tentei orar, descobri que não conseguia, pois o meu coração não conseguia expressar-se. Havia suposto que se estivesse onde pudesse dar largas à minha voz em oração, sem que me ouvissem, poderia orar livremente. Mas não! Estava mudo, sem conseguir dizer palavra sequer! Ou não tinha nada em mim para dizer a Deus, ou então podia fazer uso de umas poucas palavras sem expressão de sinceridade, sem coração! E quando tentei entrar em oração, umas folhas mexeram-se com o vento ali perto. Levantava a minha cabeça a ver se alguém vinha e parava de orar, verificando-se tal procedimento variadíssimas vezes.

Por fim entrei numa fase de desespero total. Disse a mim mesmo: "Não consigo orar! O meu coração está morto para Deus! Não consigo orar!" Ali mesmo comecei a repreender-me a mim mesmo por me haver comprometido e prometido entregar o meu coração a Deus antes de sair daquela mata. Ao tentar uma e outra vez, descobria sempre que não conseguia entregar meu coração a Deus. O meu intimo recuava miseravelmente, não deixando meu coração ir de encontro a Deus. Logo comecei a pensar que seria já tarde demais para me salvar, que Deus havia desistido de mim e que estaria para além de qualquer esperança de salvação possível. Aquele pensamento de me haver precipitado naquilo que me comprometera a fazer até sair dali, que antes morreria a sair dali sem Deus no coração, perseguia-me incessantemente. Parecia que tal promessa provocava em minha alma uma enorme sobrecarga de compromisso e não tinha como cumprir aquele voto solene. Mergulhei profundamente num abismo de desespero e de desencorajamento de tal dimensão que nem forças tinha para me por de joelhos.

Nisto ouvi as folhas mexerem-se com o vento e olhei de novo com receio que alguém se estivesse aproximando, de ser visto em oração. Abri os meus olhos para verificar se assim era de facto. Mas logo ali foi-me revelada a dimensão do meu orgulho diante de meus próprios olhos. Vi qual a razão de toda aquela dureza e consequente frieza de coração em mim e foi-me revelado distintamente e de tal forma que se apoderou de mim um sentir de perversidade própria, uma imensidão de tal perversidade, por me sentir com vergonha que alguém me visse em oração diante do meu Deus, do meu Criador, que exclamei contra a minha perversidade. Esse sentir de perversidade tomou posse de todo o meu ser, de tal forma que gritei em alta voz que mesmo que todos os homens da terra me estivessem a ver, juntamente com todos os anjos perversos do inferno e me cercassem para ver-me orar ali, de modo algum deixaria aquele lugar. "O quê? Um tal pecador degradado como eu, de joelhos confessando todos os meus pecados perante um Deus magnífico e poderoso e com vergonha d'Ele? Que coisa é esta? Com vergonha que tenha receio de que pecadores como eu me vejam assim prostrado diante do meu Deus Criador, muitíssimo ofendido por meus pecados?" Aquele pecado pareceu-me infinito, imenso, degradante e perverso. Quebrei diante de meu Deus e sucumbi de vez.

Logo ali uma certa passagem das Escrituras parecia penetrar a minha mente com uma tempestuosa luminosidade. "Mas de lá buscarás ao Senhor teu Deus, e o acharás, quando o buscares de todo o teu coração e de toda a tua alma", Deu 4:29. Instantaneamente apoderei-me dela com todo meu coração, com todas as minhas forças. Eu havia crido na Bíblia de forma intelectual antes e até ali. Mas nunca me havia passado pela cabeça que a fé era um estado de voluntariedade viva em vez dum formalidade meramente intelectual. Estava tão consciente de poder e ter de confiar em Deus naquele momento como ser verdadeiro e real, como podia crer na minha própria existência. Seja de que forma for, sabia que aquelas palavras eram vindas das Escrituras, mesmo que nunca me recorde de as haver lido alguma vez até ali. Sabia instintivamente que se trataria da verdadeira voz de Deus a falar-me através delas. Clamei: "Senhor, eu aceito essas palavras como as Tuas próprias palavras. Agora sabes que te busco de todo o meu coração, que vim aqui para orar a Ti. Aqui me prometes ouvir a minha oração".

Isso fez-me crer que agora podia cumprir aquilo que me comprometera a fazer ali. Mas o Espírito de Deus parecia não estar satisfeito, pressionando sobre o meu coração as palavras "quando O buscares de todo o teu coração e de toda a tua alma". A questão de quando isso se daria, parecia que havia de ser ali, naquele momento &endash; isso assentaria pesadamente sobre meu peito. Disse ao Senhor que o levava a sério e que tinha toda a certeza que Ele me ouvira, que Ele não tinha como mentir-me; que logo haveria de O encontrar pessoalmente. Ali me foram dadas outras promessas, saídas tanto do Velho com do Novo Testamento, em especial algumas promessas acerca do Senhor Jesus pessoalmente. Não terei nunca palavras para descrever a um ser humano como aquelas palavras, como aquelas promessas e palavras me foram preciosas ali. Eu consumi-as uma a uma como verdades infalíveis, como provas concretas de que seria impossível Deus mentir. Não caíam tanto no meu intelecto, mas mais pareciam assentar profundamente no fundo do meu íntimo, conseguindo tal coisa apoderar-se de todas as forças voluntariosas da minha mente na sua totalidade. Eu apoderei-me delas intensamente, agarrando-me a elas com o pulso de alguém que estava em vias de se  afogar.

Continuei assim em oração, apropriando-me de promessas atrás de promessas durante muito tempo, quanto não sei. Orei até que mentalmente me havia saturado e antes que me houvesse apercebido, estava em pé andando em direcção à vila, na estrada já. A questão de me haver convertido ou não, não me passava tanto assim pela cabeça, mas recordo-me haver dito com grande ênfase que, se alguma vez me houvesse convertido, me entregaria para a propagação do evangelho.  Logo entrei na estrada a caminho da vila reflectindo em pormenor sobre tudo o que ali se havia passado. Achei minha mente num estado de paz maravilhoso, muito calma mesmo. Logo me maravilhei de tal coisa e comecei a dizer a mim mesmo: "que será isto? Tenho a certeza que feri o Espírito Santo de vez da minha vida. Perdi toda a convicção de qualquer um dos meus pecados que confessara. Não tenho mais em mim nem uma simples preocupação sobre a salvação da minha alma! De certeza que isto é porque o Espírito Santo me abandonou de vez!" "Mas como", perguntei-me a mim mesmo, "nunca me senti tão despreocupado com a salvação da minha alma!" Não sabia o que se passava comigo. Logo me recordei de como havia prometido que levaria Deus pela Sua palavra, que cria inteiramente n'Ele quando estava ajoelhado naquele bosque. Recordei-me de muitas coisas que havia dito ousadamente a Deus e concluíra que não seria sequer de me admirar que Deus me houvesse abandonado para sempre por causa de tal ousadia impar! Como é que um pecador como eu se atrevera a dirigir-se daquela forma a Deus? Que presunção, que blasfémia haver falado assim com Ele! Conclui que havia com toda certeza cometido o tal pecado imperdoável, o pecado contra o Espírito Santo.

Mas caminhava em absoluto sossego em direcção à vila. Todo o meu ser estava em tal sintonia silenciosa que parecia que toda natureza me ouvia. Era dia 10 de Outubro, um dia deveras agradável. Havia me dirigido para o bosque depois dum apressado pequeno almoço, muito cedo. Quando cheguei à vila descobri que era hora de almoço. Estava totalmente despercebido de como o tempo havia passado tão rapidamente. Mais me parecia que havia ali estado apenas por breves instantes. Mas, como explicar aquela paz de espírito, aquele sossego sem fim? Tentei recolher as minhas convicções de pecado anteriores, o fardo de consciência sob o qual havia labutado até ali precariamente. Mas todo sentido, toda e qualquer consciência de e sobre pecado havia desvanecido de mim. A culpa abandonara-me por completo. Disse a mim mesmo: "que vem a ser isto? Que coisa será esta em mim? Como pode ser que um pecador tão ímpio como eu não mais me lembre de pecado, nem de ter um simples sentimento de culpa para viver com ele?" Tentei em vão pôr-me em estado de ansiedade, não fosse haver entristecido o Espírito Santo de vez e para sempre, através de alguma imprudência. Mas, olhasse para o meu estado de espírito a partir dum ou outro ponto de vista, não conseguia sentir-me ansioso. Nada conseguia perturbar aquela paz estranha que me dominava. Era grande o descanso que de mim se apoderara. Não tenho como descrever em palavras. O pensar em Deus era tão doce à minha mente, e uma tranquilidade absoluta tomou conta de todo o meu ser, de tal modo que não tinha como chegar a uma conclusão sobre aquilo que em mim se passava. Era um mistério enorme, mas mesmo assim não tinha como me deixar perplexo também.

Fui almoçar e descobri que não tinha qualquer apetite ou vontade de comer. Fui para o escritório e Squire W havia saído para almoço. Peguei no meu violino e comecei a tocar música sagrada daquela que já me habituara a tocar. Mas assim que comecei a cantar aquelas palavras sagradas, comecei a chorar. Parecia que o estado do todo o meu coração se transformara em líquido e o meu estado de espírito era tal que não conseguia sequer ouvir a minha própria voz sem provocar em mim um fluir abundante de sensibilidade emotiva. Estava perplexo com este decorrer estranho de coisas e, mesmo tentando controlar as minhas lágrimas, vi que me era impossível continuar a cantar aquelas palavras. Por essa razão arrumei o instrumento e parei de cantar.

Depois do almoço estivemos bastante ocupados em mudar os móveis e livros dum escritório para o outro. Como estivemos muitíssimo ocupados com tudo aquilo, raramente pudemos conversar uns com os outros. A minha mente permanecia naquela profunda tranquilidade, a qual não tinha como me passar despercebida sequer. Havia uma grande doçura na minha forma de pensar e de sentir. Tudo me parecia lindo e calmo, nada me tinha como perturbar nem por um momento. Um pouco antes de anoitecer um pensamento tomou conta de mim, de que me iria entregar à oração assim que estivesse só nos escritórios e que não abandonaria a questão da religião de jeito nenhum, mesmo havendo entristecido o Espírito Santo. Mesmo não tendo qualquer ansiedade em mim sobre a salvação da minha alma, mesmo assim iria orar a Deus.

Assim que, à noite, pudemos ter tudo em ordem e arrumado, tanto livros como móveis, eu acendi um fogo na lareira na esperança de ter como passar o resto da noite a sós ali. Squire W retirou-se assim que escureceu, deu-me as boas noites e foi para sua casa. Acompanhei-o à porta e assim que fechei a porta por trás de mim, meu coração transformou-se em liquido dentro de mim. Todos os meus sentimentos subiram-me à garganta e a única expressão que se criou poderosamente em mim, foi que queria derramar toda a minha alma diante de Deus. A ressurreição destes sentimentos de emergência fizeram-me correr para o quarto de trás dos escritórios para ir orar de imediato. Não havia lá fogo ou luz no quarto. Mas como me parecia que estava iluminado! Assim que entrei e fechei aquela porta atrás de mim, pareceu-me haver encontrado o Senhor Jesus face a face. Nunca me havia ocorrido nem ali nem por algum tempo depois que era apenas uma conclusão mental apenas, pois a mim me parecia de facto uma visão d'Ele ali mesmo, parecendo que o estaria a ver como se estivesse vendo um qualquer homem normal. Ele nada me disse, mas olhou para mim de tal modo que sucumbi a seus pés. Pus-me de joelhos diante d'Ele. Eu até agora sempre pensei nisto como um mero estado mental meu, mas era muito real para mim que estava diante de Jesus naquele momento marcante de minha existência. Derramei tudo o que tinha em mim a seus pés, confessei tanta coisa de tal forma e com tal emoção que me engasgava muitas vezes com as palavras a saírem de mim, a fluírem. Parecia-me mais que estaria a lavar os seus pés através das minhas lágrimas. Mas tenho uma clara ideia de que não lhe podia tocar fisicamente, disso me recordo distintamente.

Devo ter-me mantido neste estado de coisas e espírito durante muito tempo. Mas a minha mente encontrava-se de tal forma absorvida por esta entrevista improvisada, que não me recordava distintamente de nada daquilo que Lhe dissera ali. Mas sei que assim que me achara calmo e em absoluta normalidade de novo, ergui-me e fui para o escritório. O fogo já estava apagado, um pau de lenha enorme já se havia queimado todo, pois devo ter ficado muito tempo naquele estado de espírito. Mas assim que me virei para me sentar perto do fogo, um poderoso baptismo do Espírito Santo caiu sobre mim inesperadamente. Nada esperava, tudo desconhecia daquilo que se estaria passando comigo. Nunca havia sequer imaginado que tal coisa existisse para mim, nunca me recordo de alguma vez haver ouvido uma pequena coisa sobre tal coisa. Foi de todo uma coisa absolutamente inesperada. O Espírito Santo desceu sobre mim de maneira que mais me parecia trespassar-me e atravessar-me de todos os lados, tanto física como espiritualmente. Mais me parecia uma corrente electrificada de ondas de amor. Passavam em e por mim, atravessando-me todo. Mais me pareciam ondas e ondas de amor em forma líquida, uma torrente de vida e amor, pois não acho outra maneira de descrever tudo aquilo que se passou comigo. Parecia-me o próprio sopro de vida vindo de Deus. Lembro-me distintamente que me parecia que esse amor soprava sobre mim, como com grandes asas.

Não existem palavras que possam sequer descrever com a preciosidade e com a quantidade de amor que fora derramando em meu coração. Eu chorava de alegria profunda, urrava de amor e alegria! O meu coração muito dificilmente teria como se poder expressar de outra forma. Aquelas ondas sem fim passavam por mim, em mim, através de todo o meu ser. Recordo-me apenas de exclamar em alta voz que pereceria de amor se aquilo continuasse assim por muito mais tempo. Mas mesmo que morresse, não tinha qualquer receio de qualquer morte em mim presente. Quanto tempo permaneci neste estado de coisas, não sei precisar. Mas sei que muito tarde um membro do coro da igreja entrou nos escritórios para me encontrar naquele estado de coisas. Eu era então líder do coro e ele viera falar comigo sobre algo. Ele era um membro da igreja. Entrou e achou-me naquele estado de espírito de choro e lágrimas. Perguntou-me logo se estava bem. "Sr. Finney, o que se passa com o senhor?" Não conseguia responder-lhe uma palavra nesse preciso momento. Perguntou-me se estava com dores ou algo assim. Recolhi todo o meu ser o mais que pude e disse-lhe que não tinha qualquer dor, mas que estava tão feliz que não conseguia viver.

Ele esgueirou-se rapidamente e saiu dali. Voltou com um dos presbíteros da igreja. Ele era um homem de feições muito sérias. Sempre que estava em minha presença, mantinha-se em vigilância absoluta, resguardando-se a ele próprio de mim. Nunca o havia visto rir-se sobre algo. Quando entrou, perguntou-me como me estaria a sentir. Comecei por lhe contar. Mas em vez de me dizer alguma coisa, deu-lhe um ataque de riso tão grande que não tinha como impedir de se rir muito à gargalhada e bem alto do fundo do seu coração!

Havia um jovem na vila que se estava a preparar para a faculdade, ao qual o pastor da igreja havia dito para se manter afastado de mim, pois achava que seria uma má influência para ele e que se ele conversasse muito comigo que ele se desviaria logo e dificilmente se converteria, pois já lhe falara muito sobre a questão religiosa. Eu mantinha uma grande intimidade com ele. O pastor havia informado e avisado este jovem que era eu muito irreligioso e para se manter afastado de mim o mais que pudesse. Pouco tempo depois de eu me haver convertido, este jovem converteu-se também e confessou-me mais tarde haver dito ao Sr. Gale que as coisas das quais eu falava haviam-lhe sido muito mais esclarecedoras para ele que todos os sermões que dele ouvira. Eu havia expressado muito daquilo que se passava comigo a esta jovem alma.

Mas ali, enquanto estava a dar um relato pormenorizado ao presbítero da igreja sobre o que se estaria passando comigo e também ao outro homem que o acompanhava, foi quando este jovem entrou nos escritórios. Estava de costas para a porta e não me havia apercebido de que entrara. Escutou admiradíssimo o meu relato e assim que me pude aperceber, estava em total agonia de alma, de joelhos a suplicar que orassem por ele. O presbítero e o outro homem estatelaram-se de joelhos orando pelo jovem. Quando eles terminaram a sua oração, eu orei por ele também. Logo de seguida, retiraram-se todos dali e deixaram-me a sós.

Mas assim que saíram, surgiu uma pergunta estranha em minha mente. Por se havia rido tanto o Sr. B--? Pensaria ele que havia enlouquecido ou que estava sob uma qualquer derivação mental? Logo ali comecei a duvidar se estaria certo eu haver orado por aquele jovem, sendo eu o pecador que era! Uma nuvem negra de sérias dúvidas envolveu-me. Nada à minha volta havia onde me pudesse suster. Logo de seguida, quando já estava deitado para dormir, estava muito perdido ainda sobre tudo aquilo que se havia passado comigo durante aquele dia. Mesmo aquela lembrança do baptismo forte que recebera, não tinha como retirar de mim aquela dúvida de não chegar a saber se, de facto, a minha paz com Deus estaria integralmente restabelecida ou não. Logo adormeci, mas acordei devido a um fluir imenso de amor em todo o meu ser. Estava de tal modo inundado naquele amor que não conseguia dormir sequer. Acabei por adormecer de novo. E acordei pela mesma razão. Mas assim que acordava, a tentação daquela dúvida persistente apoderava-se de mim de novo. Adormecendo, todo aquele fluir de amor sem igual recomeçava. Quando despertei na manhã seguinte, já o sol ia alto e iluminava todo o meu quarto. Palavras nunca descreverão a impressão que aquela luz brilhante causara em mim. Instantaneamente, aquele baptismo que me ocorrera na noite anterior repetiu-se de novo em tudo igual ao anterior. Pus-me de joelhos em cima da minha cama e permaneci deleitado e propulsionado demais com aquele baptismo de fogo, para que tivesse como fazer algo mais que não fosse derramar toda a minha alma diante de Deus em pessoa. Mas parecia-me que algo de diferente havia nesse baptismo, pois vinha acompanhado duma ligeira repreensão. O Espírito parecia querer-me retorquir algo como: "ainda vais duvidar?" Clamei que não. "Não Senhor, não tenho como duvidar de nada mais! Estou convencido!" Ele revelou-me de tal forma aquilo que se estaria a passar comigo que me foi dado a conhecer que o Espírito de Deus tomara posse da totalidade do meu ser e alma.

Naquele estado de espírito, ali daquele jeito, foi-me esclarecida a doutrina sobre a justificação como um estado presente e coerente  real. Essa doutrina nunca até ali havia tomado tal posse da minha alma e mente &endash; nunca lhe havia dado qualquer atenção e nunca me havia apercebido da sua distinta importância entre todas as outras verdades do evangelho sequer. De facto, nem sequer sabia que significaria sequer. Mas tinha como saber o que significavam aquelas palavras "Justificados, pois, pela fé, tenhamos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo", Rom 5:1. Podia deveras ver que naqueles momentos na mata, todo o sentido de condenação se perdera de mim e que por muito que quisesse, nunca teria como sentir um leve sentimento de culpa ou condenação em mi mesmo. As minhas culpas haviam factualmente sumido de mim, parecendo até que nunca havia pecado em toda a minha existência. Esta seria a revelação que naquela altura necessitava de facto. Sentia-me justo e justificado pela fé em Jesus e tanto quanto podia ver ao longe, estava num estado real de não ter qualquer pecado mais em mim mesmo. Em vez de sentir que estaria a pecar, meu coração estava era fluindo infinitamente em amor liquido. O meu cálice transbordava de facto, com bênção e amor real. Não me era possível sentir que ainda era pecador. Nem sequer tinha como reaver qualquer sentimento de culpa mais sobre todos os meus pecados.  Sobre esta experiência de justificação, nada havia contado a ninguém naquela altura, havendo guardado tudo para mim apenas.  Esta é a real experiência da justificação em Cristo.

 

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