A VERDADE DO EVANGELHO
TEOLOGIA SISTEMÁTICA

Charles Finney

 

AULA 29

OBJEÇOES À SANTIFICAÇAO

 

Objeções respondidas.

Considerarei as seguintes passagens das Escrituras que alguns supõem contradizer a doutrina que temos estudado.

"Quando pecarem contra ti (pois não há homem que não peque), e tu te indignares contra eles, e os entregares nas mãos do inimigo, para que os que os cativarem os levem em cativeiro à terra do inimigo, quer longe ou perto esteja" etc. (1 Rs 8.46), Sobre este texto, comento:

1. Este conceito, em quase os mesmos termos, é repetido em 2 Crônicas 6.26 e em Eclesiastes 7.20, onde a mesma palavra original é usada da mesma forma.

2. Estas são as passagens mais fortes sobre o tema que conheço no Antigo Testamento e as mesmas observações são aplicáveis às três.

3. Citarei, para satisfação do leitor, a nota do Dr. Adam Clarke sobre esta passagem e também a de Barclay, o célebre e altamente espiritual autor de An Apology for the True Christian Divinity. Deixe-me dizer, por conseguinte, que elas me parecem respostas satisfatórias à objeção fundamentada nestas passagens.

CLARKE: "'Quando pecarem contra ti.' Isto tem de se referir a alguma defecção geral da verdade, a alguma espécie de falsa adoração, idolatria ou corrupção da verdade e de ordenanças do Altíssimo. No que diz respeito a isso, aqui está declarado que os pecadores devem ser entregues nas mãos dos seus inimigos e levados cativos, que era o castigo geral da idolatria e que é chamada (v. 47) de agirmos perversamente e cometermos iniqüidade.

"'Quando pecarem contra ti (pois não há homem que não peque).' A segunda cláusula conforme está traduzida torna a pressuposição da primeira cláusula completamente nugatória, pois, se não há homem que não peque, é inútil dizê-lo, se eles pecam. Mas esta contradição desaparece quando se faz referência ao original, onde ki yechetau lak deveria ser traduzido por: 'Se pecarem contra ti'; ou: 'Caso pequem contra ti. De igual modo, ki ein adam asher Io yecheta seria: 'pois não há homem que não possa pecar', ou seja, não há homem impecável, nem infalível, nem que não esteja sujeito a pecar. Este é o verdadeiro significado da frase em várias partes da Bíblia e foi assim que nossos tradutores entenderam o original, pois até no versículo trinta e um deste capítulo traduziram yecheta por: Quando alguém pecar, o que certamente implica que ele pode ou não pode pecar. Deste modo traduziram a mesma palavra por: Quando uma pessoa pecar, em Levítico 5.1, 6.2,1 Samuel 2.25, 2 Crônicas 4.22 e em vários outros lugares. A verdade é que o hebraico não tem modo de expressar palavras no permissivo ou optativo. Assim, para expressar o sentido aqui empregado usa o tempo futuro da conjugação kal.

"Este texto tem sido uma maravilhosa fortaleza a todo aquele que crê que não há redenção de pecado nesta vida, que ninguém vive sem cometer pecado e que não podemos estar completamente livres de pecado até que morramos.

"1. O texto não fala de tal doutrina. Só fala da possibilidade de todo homem pecar e isto deve ser verdadeiro de um estado de provação.

"2. Não há outro texto nos registros bíblicos que venha mais ao propósito do que este.

"3. A doutrina está terminantemente em oposição ao desígnio do Evangelho, pois Jesus veio salvar o seu povo dos seus pecados e desfazer as obras do diabo.

"4. Trata-se de uma doutrina perigosa e destrutiva que deveria ser riscada de todo credo cristão. Há muitos que procuram por todos os meios possíveis desculpar seus pecados e não precisamos corporificar suas desculpas em um credo para completar o engano em que estão, declarando que os seus pecados são inevitáveis."

BARCLAY: "Em segundo lugar, outra objeção é proveniente de duas passagens das Escrituras, em grande parte de significação única. Uma é: 'pois não há homem que não peque' (1 Rs 8.46). A outra é: 'Na verdade, não há homem justo sobre a terra, que faça bem e nunca peque' (Ec 7.20).

"Respondo:

"1. Estas passagens não afirmam nada sobre um pecar diário e ininterrupto, como se a pessoa nunca fosse redimida do pecado, mas somente que todos pecam, que não há ninguém que não peque, embora nem sempre deixem de pecar, e nisto jaz a questão. Na passagem em 1 Reis o escritor fala em dois versículos sobre o retorno a Deus com toda a alma e todo o coração, o que implica uma possibilidade de deixar o pecado.

"2. Há um aspecto a ser considerado concernente às estações e dispensações, pois se fosse dado como certo que nos dias de Salomão não havia ninguém que não pecasse, não se concluiria que não haja ninguém assim hoje, ou que seja algo não alcançável pela graça de Deus sob o Evangelho.

"3. E, finalmente, esta objeção apóia-se em uma falsa interpretação, pois a palavra original hebraica pode ser lida no modo potencial: 'Não há homem que não possa pecar', como também no indicativo. Assim leram os antigos latinos, Júnio e Tremélio, bem como Vatablo. A mesma palavra é usada no modo potencial, e não no indicativo, no seguinte texto: 'Escondi a tua palavra no meu coração, para eu não pecar contra ti' (SI 119.11), o que sendo mais respondível ao âmbito universal das Escrituras, ao testemunho da verdade e ao sentimento de quase todos os intérpretes deve, sem dúvida, ser entendida dessa maneira. E a outra interpretação rejeitada como espúria."

O que quer que seja pensado sobre as opiniões destes autores, para mim é uma resposta clara e satisfatória ao fato fundamentado nessas passagens de que a objeção seria estritamente verdadeira sob a dispensação do Antigo Testamento e que não prova nada com respeito à alcance de um estado de santificação plena sob o Novo Testamento. O quê! A dispensação do Novo Testamento não difere em nada do Antigo em suas vantagens para a aquisição da santidade? Se fosse verdade que ninguém sob a dispensação comparativamente escura do judaísmo alcançasse um estado de santificação permanente, isso não prova que tal estado não é alcançável sob o Evangelho? Está declarado expressamente na Epístola aos Hebreus que "a lei nenhuma coisa aperfeiçoou, e desta sorte é introduzida uma melhor esperança" (Hb 7.19). Sob o antigo concerto, Deus prometeu explicitamente que faria um novo concerto com a casa de Israel, "escrevendo a lei nos seus corações" e "gravando-a no seu interior". E este novo concerto seria feito com a casa de Israel sob a dispensação cristã. O que, então, todas essas passagens do Antigo Testamento provam em relação aos privilégios e santidade dos cristãos sob a nova dispensação?

Se algum dos santos do Antigo Testamento recebeu o novo concerto antecipadamente, no que tange a entrar em um estado de santificação permanente, não é meu propósito atual investigar. Nem investigarei, admitindo o que Salomão disse que em seus dias que não havia homem justo na terra que vivesse e não pecasse, se o mesmo pode ser dito com verdade igual de toda geração sob a dispensação judaica. Está explicitamente afirmado de Abraão e de multidões de santos do Antigo Testamento que "todos estes morreram na fé, sem terem recebido as promessas" (Hb 11.13). O que isso significa? Não pode ser que não sabiam das promessas, pois as promessas lhes foram feitas. Não pode significar que não receberam Cristo, pois a Bíblia expressamente afirma que o receberam -- que "Abraão, vosso pai, exultou por ver o meu dia, e viu-o, e alegrou-se" (Jo 8.56), que Moisés e na verdade todos os santos do Antigo Testamento tinham tanto conhecimento de Cristo como Salvador a ser revelado no que tange a levá-los a um estado de salvação. Mas ainda não tinham recebido a promessa do Espírito conforme derramada sob a dispensação cristã. Esta foi a grande promessa feita desde o princípio, primeiro a Abraão ou à sua semente, que é Cristo: "Para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios por Jesus Cristo e para que, pela fé, nós recebamos a promessa do Espírito. Ora, as promessas foram feitas a Abraão e à sua posteridade. Não diz: E às posteridades, como falando de muitas, mas como de uma só: E à tua posteridade, que é Cristo" (Gl 3.14,16); depois à igreja cristã, prometida por todos os profetas: "Mas isto é o que foi dito pelo profeta Joel: E nos últimos dias acontecerá, diz Deus, que do meu Espírito derramarei sobre toda a carne; e os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos jovens terão visões, e os vossos velhos sonharão sonhos; e também do meu Espírito derramarei sobre os meus servos e minhas servas, naqueles dias, e profetizarão; e farei aparecer prodígios em cima no céu e sinais em baixo na terra: sangue, fogo e vapor de fumaça. O sol se converterá em trevas, e a lua, em sangue, antes de chegar o grande e glorioso Dia do Senhor; e acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo" (At 2.16-21), "E disse-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para perdão dos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo. Porque a promessa vos diz respeito a vós, a vossos filhos e a todos os que estão longe: a tantos quantos Deus, nosso Senhor, chamar" (At 2.38,39), "E todos os profetas, desde Samuel, todos quantos depois falaram, também anunciaram estes dias. Ressuscitando Deus a seu Filho Jesus, primeiro o enviou a vós, para que nisso vos abençoasse, e vos desviasse, a cada um, das vossas maldades" (At 3.24,26); e por fim, feita pelo próprio Cristo, a qual Ele expressamente chama de "a promessa" do Pai: "E, estando com eles, determinou-lhes que não se ausentassem de Jerusalém, mas que esperassem a promessa do Pai, que (disse ele) de mim ouvistes. Porque, na verdade, João batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias" (At 1.4,5). Eles não receberam a luz e a glória da dispensação cristã, nem a plenitude do Espírito Santo. E é afirmado na Bíblia que "eles, sem nós", ou seja, sem os nossos privilégios, "não fossem aperfeiçoados".

A próxima objeção está fundamentada na Oração Dominical. Nesta, Cristo nos ensinou a orar: "Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos os nossos devedores" (Mt 6.12). Aqui é objetado que se uma pessoa fosse plenamente santificada, ela já não poderia usar esta cláusula da oração que -- afirma-se -- foi evidentemente designada a ser usada pela igreja no final dos tempos. Sobre esta oração, comento:

1. Cristo nos ensinou a orar por inteiro, no sentido de santificação perpétua. "Venha o teu Reino. Seja feita a tua vontade, tanto na terra como no céu" (Mt 6.10).

2. Cristo determinou que esperássemos a resposta desta oração, ou, caso contrário, estaríamos escarnecendo dEle ao pedirmos algo em que não crêssemos como agradável à sua vontade, além de sabermos que não poderia ser coerentemente concedido, bem como estaríamos repetindo este insulto a Deus todas as vezes que orássemos.

3. A petição por perdão de nossas transgressões tem de ser aplicada a pecados passados e não a pecados cometidos no momento em que fazemos a oração, porque seria absurdo e abominável orar pelo perdão de um pecado que estamos cometendo no ato.

4. Esta oração não pode ser apropriadamente feita a respeito de qualquer pecado do qual não nos arrependamos, porque seria altamente abominável à vista de Deus orar pelo perdão de um pecado do qual não nos arrependemos.

5. Se há algum momento ou dia no qual um homem não cometeu pecado, ele não pode de forma coerente fazer esta oração em referência àquele momento ou àquele dia.

6. Mas em todo momento seria altamente apropriado fazer esta oração concernente a todos os pecados passados, muito embora o indivíduo possa ter-se arrependido, confessado e orado pelo perdão mil vezes antes. Isto não implica em dúvida se Deus perdoou os pecados dos quais nos arrependemos, mas é apenas uma renovação de nosso pesar e humilhação por essas transgressões e um novo reconhecimento que nos arremessa à misericórdia divina. Deus pode perdoar quando nos arrependemos, antes de lhe pedirmos e enquanto nos detestamos por não termos coração para pedirmos perdão, mas o perdão divino não torna a petição imprópria.

7. Embora seus pecados sejam perdoados, o pecador ainda deve confessá-los, arrepender-se deles, tanto neste mundo quanto no mundo por vir. E é perfeitamente satisfatório, enquanto vive no mundo, para dizer o mínimo, continuar se arrependendo e repetindo o pedido de perdão. Para mim, não consigo ver por que esta passagem deva ser uma pedra de tropeço, pois se é impróprio orar pelo perdão de pecados dos quais nos arrependemos, então é impróprio orar pelo perdão. E se esta oração não pode ser usada com propriedade em referência aos pecados passados dos quais já nos arrependemos, não pode ser usada coerentemente de jeito nenhum, exceto na suposição absurda de que devemos orar pelo perdão de pecados que agora cometemos e dos quais não nos arrependemos. E se é impróprio usar esta forma de oração em referência a todos os pecados passados dos quais nos arrependemos, é da mesma maneira impróprio usá-la em referência aos pecados cometidos hoje ou ontem dos quais nos arrependemos.

Outra objeção está fundamentada no seguinte texto: "Meus irmãos, muitos de vós não sejam mestres, sabendo que receberemos mais duro juízo. Porque todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça em palavra, o tal varão é perfeito e poderoso para também refrear todo o corpo" (Tg 3.1,2). Sobre esta passagem, comento:

1. O termo mestres pode ser traduzido por professores, críticos ou censores, sendo entendido tanto num sentido bom ou ruim. O apóstolo exorta muitos dos irmãos a que não sejam mestres, porque se assim for, incorrerão em maior condenação: "Porque" -- diz ele -- "todos tropeçamos em muitas coisas". O fato de que todos tropeçamos é insistido neste trecho como razão para muitos não serem mestres, o que mostra que esse termo é usado aqui em sentido ruim. "Muitos de vós não sejam mestres", pois se o formos "receberemos mais duro juízo", porque todos tropeçamos em muitas coisas. Assim entendo o significado desta passagem: muitos (ou qualquer um) de vocês não sejam censores ou críticos e se coloquem a julgar e condenar os outros. Pois já que todos vocês pecaram e todos tropeçamos em muitas coisas, receberemos maior condenação se nos colocarmos como censores. "Porque com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós" (Mt 7.2).

2. Não me parece que o apóstolo tenha a intenção de afirmar alguma coisa do seu caráter ou daqueles a quem escreveu, ou tenha a mais remota insinuação contrária à doutrina da santificação plena, mas que pretenda simplesmente afirmar uma verdade bem-estabelecida em sua aplicação a um pecado particular que, se tais indivíduos se tornarem censores e injuriosamente condenarem os outros, já que todos já cometeram muitos pecados, receberão maior condenação.

3. Que o apóstolo não pretendeu negar a doutrina da perfeição cristã ou santificação plena, segundo tem sido sustentada nestas aulas, parece evidente do fato de que ele imediatamente acrescenta: "Porque todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça em palavra, o tal varão é perfeito e poderoso para também refrear todo o corpo" (Tg 3.2).

Outra objeção está fundamentada nesta passagem: "Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós" (1 Jo 1.8). Sobre isto, comento:

1. Aqueles que fazem deste texto uma objeção à doutrina da santifícação plena nesta vida, presumem que o apóstolo esteja falando de santificação em vez de justificação, ao passo que um exame honesto da passagem, se não me engano, tornará evidente que o apóstolo não faz insinuação à santificação, mas fala somente da justificação. Quem atenta ao contexto no qual o versículo se encontra, acredito, perceberá essa evidência. Mas antes de prosseguir declarando o que entendo como o significado da passagem, vamos considerá-la no contexto em que se encontra, no sentido em que aqueles que nos objetam a entendem quando a citam com a finalidade de se oporem ao sentido defendido nestas aulas. Eles entendem que o apóstolo está afirmando que, se dissermos que estamos em um estado de santificação plena e não pecamos, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não está em nós. Se fosse isto o que o apóstolo estava querendo dizer, ele então se envolveu no contexto em duas flagrantes contradições.

2. Este versículo é precedido imediatamente pela afirmação de que "o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica [limpa] de todo pecado". Seria muito extraordinário se imediatamente depois desta afirmação o apóstolo quisesse afirmar que o sangue de Jesus Cristo não nos limpa de todo o pecado, e se dissermos que sim, nos enganamos, pois há pouco afirmara que o sangue de Jesus Cristo nos limpa de todo pecado. Se fosse este o sentido que ele quisesse dar, isto o envolveria em uma contradição tão palpável quanto poderia ser expressada.

3. O assunto visto sob esta ótica apresenta o apóstolo dizendo, na conclusão do versículo sete, que o sangue de Jesus Cristo, o Filho de Deus, nos purifica de todo pecado, mas afirmando, no versículo oito, que se supormos estar limpos de todo pecado, nos enganamos, contradizendo categoricamente o que Paulo acabara de dizer. E no versículo nove prossegue dizendo que "Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça", quer dizer, o sangue de Jesus nos purifica de todo pecado, mas se dissermos que Ele o faz, estaremos nos enganando. "Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça" (1 Jo 1.9). Toda injustiça é pecado. Se somos limpos de toda injustiça, estamos limpos de pecado. E agora suponha que alguém confesse seu pecado e Deus em fidelidade e justiça o perdoe e o purifique, e depois tal pessoa confesse e professe que Deus o fez. Devemos, então, entender que o apóstolo está afirmando que essa pessoa se engana, ao supor que o sangue de Jesus Cristo a purificou de todo pecado? Mas, como já disse, não entendo que o apóstolo esteja afirmando algo a respeito do caráter moral de alguém, mas que esteja falando da doutrina da justificação.

Este me parece ser o significado de toda a passagem: Se dissermos que não somos pecadores, isto é, que não temos pecado que precise do sangue de Cristo; que nunca pecamos e, por conseguinte, não precisamos de Salvador, nos enganamos. Pois pecamos e nada mais do que o sangue de Cristo nos purifica do pecado, ou obtém o nosso perdão e justificação. E, se não negarmos, mas confessarmos que pecamos, "Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça. Se dissermos que não pecamos, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós" (1 Jo 1.9,10).

Estas são as principais passagens que me vêem à mente. Acredito serem as que recebem maior ênfase dos opositores desta doutrina. E como não desejo alongar a discussão, omitirei o exame de outras passagens.

Todavia, há muitas objeções à doutrina da santificação plena além das derivadas das passagens bíblicas há pouco consideradas. Sem dúvida, algumas dessas objeções são percebidas de forma honesta e merecem ser analisadas. Prosseguirei comentando aquelas que me ocorrerem à mente.

1. Objeta-se que a doutrina da santificação plena e permanente nesta vida tende aos erros do perfeccionismo moderno. Esta objeção foi alegada com ênfase por algumas boas pessoas e não duvido que tenham sido honestamente alegadas. Mas ainda não posso crer que elas consideraram o assunto de modo apropriado. Parece-me que um fato porá de lado esta objeção. É bem conhecido que os metodistas wesleyanos têm, na qualidade de denominação, desde os primórdios de sua história, sustentado esta doutrina em toda a sua extensão e amplitude. Se tal é a tendência da doutrina, é sumamente estranho que o perfeccionismo nunca se tenha desenvolvido naquela denominação. Ao que eu saiba, os metodistas sempre estiveram em grande medida, se não totalmente, isentos dos erros mantidos pelos perfeccionistas modernos. Com poucas exceções, os perfeccionistas, como corpo, saíram das denominações que negam a doutrina da santificação plena nesta vida.

A razão disto me é óbvia. Quando os religiosos, que, ao longo de toda a vida estiveram sujeitos à escravidão, começam a fazer investigações sérias sobre a libertação dos seus pecados, descobrem não haver nem simpatia nem ensino com respeito à perspectiva de livrarem-se desses pecados nesta vida. Ainda assim, eles vão à Bíblia e encontram, em quase todo o lugar, Cristo sendo apresentado como o Salvador de seus pecados. Mas quando proclamam esta verdade, são de imediato tratados como hereges e fanáticos por seus irmãos até entrarem em censura, após serem vencidos pelo mal; ao perceberem a igreja tão decidida e totalmente errada em sua oposição a esta grande verdade importante, perdem a confiança nos ministros e na igreja e, sendo influenciados por um espírito errado, Satanás tira vantagem desses irmãos e os dirige ao extremo do erro e ilusão. Acredito que seja esta a verdadeira história de muitos dos membros mais piedosos das igrejas calvinistas. Ao contrário, os metodistas são muito fechados contra esses erros. Eles são ensinados que Jesus Cristo é o Salvador de todos os pecados deste mundo. E quando perguntam em busca de libertação, são direcionados a Jesus Cristo como Redentor presente e todo-suficiente. Encontrando simpatia e ensino sobre esta grande e agonizante questão, a confiança desses irmãos nos ministros permanece e, por isso, os acompanha em silêncio.

Parece-me impossível que a tendência desta doutrina seja os erros peculiares dos perfeccionistas modernos, principalmente porque tal pensamento jamais ocorreu entre todos os ministros metodistas ou entre os seus milhares de membros durante cem anos.

E deixe-me acrescentar que é minha plena convicção de que há apenas duas maneiras pelas quais os ministros dos dias de hoje podem evitar que os membros de suas igrejas se tornem perfeccionistas. Uma é tolerar que vivam longe de Deus de tal modo que não venham a interessar-se pela busca da santidade de coração. A outra é incutir totalmente no coração dos convertidos a gloriosa doutrina da consagração plena. E este é o alto privilégio como também o dever de os cristãos viverem num estado de consagração plena a Deus. Tenho muitas coisas adicionais a dizer sobre a tendência desta doutrina, mas no momento isto tem de bastar.

Alguns dizem que a doutrina da santificação plena é idêntica ao perfeccionismo, além de se esforçarem para mostrar em que pormenores o perfeccionismo antinomiano e as nossas opiniões são os mesmos. Sobre isto, comento:

(1) Parece que por muito tempo foi plano de ação favorito de certos escritores controversos, em vez de rebater nossa proposição no campo aberto do argumento justo e cristão, dar um nome complicado à nossa doutrina e tentar vencer, não por meio de argumentos, mas mostrando que ela é idêntica ou mantém relação próxima ao pelagianismo, antinomianismo, calvinismo ou algum outro ismo, contra os quais certas classes de mentes são profundamente preconceituosas. Na recente controvérsia entre os chamados teólogos da velha escola e da nova escola, quem não testemunhou com dor as freqüentes tentativas de vencer a teologia da nova escola, como é nomeada, chamando-a de pelagianismo e citando certas passagens de Pelágio e outros escritores, para mostrar a identidade de sentimento entre a nova escola e o pelagianismo.

Este é um método insatisfatório de atacar ou defender qualquer doutrina. Não há dúvida de que há muitos pontos de concordância entre Pelágio e todos os teólogos verdadeiramente ortodoxos, assim como há muitos pontos de discordância. Também há muitos pontos de concordância entre os perfeccionistas modernos e todos os cristãos evangélicos, assim como, em geral, há muitos pontos de discordância entre eles e a igreja cristã. Que haja alguns pontos de concordância entre a visão deles e a minha, é indubitavelmente verdade. E que discordemos inteiramente em relação a esses pontos que constituem as suas grandes peculiaridades, se os entendo, é também verdadeiro. Mas se realmente concordei em todos os pontos com Agostinho, ou Edwards, ou Pelágio, ou com os perfeccionistas modernos, nem o melhor nem o pior nome de qualquer um destes provaria que meus sentimentos estejam certos ou errados. Afinal de contas, restaria comprovar que aqueles com quem eu concordei estavam certos ou errados, a fim de, por um lado, estabelecer aquilo pelo qual disputo, ou, por outro, subverter o que defendo. É muitas vezes mais conveniente dar um nome complicado a uma doutrina ou a um argumento do que replicá-lo com sobriedade e satisfação.

(2) Não é pouco estranho que sejamos acusados de sustentar os mesmos sentimentos dos perfeccionistas, enquanto, ao mesmo tempo, eles parecem ser mais violentamente contrários à nossa visão, visto que conseguiram entendê-la mais do que quase qualquer outra pessoa. Fui informado por um de seus líderes que ele me considera um dos construtores da Babilônia.

Com respeito aos perfeccionistas modernos, todos os que conheceram os seus escritos sabem que alguns foram muito mais longe da verdade do que outros. Alguns dos que começaram com eles e adotaram o seu nome, refrearam-se de adotar alguns dos seus erros mais abomináveis, mantendo ainda a autoridade e obrigação perpétua da lei moral. Desta maneira foram salvos de ser impregnados por muitas das noções mais censuráveis e destrutivas da seita. Há mais pontos de convergência entre essa classe de perfeccionistas e a igreja ortodoxa do que entre esta e qualquer outra classe deles. E ainda há vários importantes pontos divergentes, conhecidos por todos os que possuem informações corretas sobre este assunto.

Detesto a prática de denunciar classes inteiras de homens pelos erros de alguns entre eles. Estou bem ciente de que há muitos dos chamados perfeccionistas, que, tanto verdadeiramente detestam os extremos do erro no qual muitos daquela corrente caíram, como talvez detestam qualquer pessoa que vive.

2. Outra objeção é que as pessoas não poderiam viver neste mundo, se fossem completamente santificadas. Estranho. A santidade prejudica o homem? A conformidade perfeita a todas as leis da vida e saúde, tanto física quanto moral, tornam impossível o homem viver? Se alguém se apartar de sua rebelião contra Deus, isso o matará? Será que há algo na santidade de Cristo incoerente com a vida e a saúde? O fato é que essa objeção está fundamentada em crasso engano em relação ao que constitui a santificação plena. Aqueles que sustentam essa objeção supõem que este estado implica um grau ininterrupto e muito intenso de entusiasmo, além de muitas coisas que não estão implícitas nesse estado. Pensei que fosse, antes, um estado glorificado do que um estado santificado o que a maioria das pessoas têm em mente, sempre que consideram o assunto. Quando Cristo esteve na terra, Ele viveu em estado santificado, mas não em estado glorificado. "Basta ao discípulo ser como seu mestre" (Mt 10.25). O que há no caráter moral de Jesus Cristo, conforme representado em sua história, que não possa e não deva ser copiado inteiramente pela vida de todo cristão? Não falo do conhecimento de Cristo, mas do seu espírito e temperamento. Pondere bem em cada circunstância da vida do Senhor que nos foi transmitida, e diga o que há que não possa, pela graça de Deus, ser copiado em nossa vida? E você acha que uma imitação plena de Cristo, em tudo o que se relaciona com o seu caráter moral, tornaria impossível você viver no mundo?

3. Também é objetado que se nos tornássemos plena e permanentemente santificados, não o poderíamos saber, nem professá-lo com inteligência. Respondo: Tudo o que os crentes santificados precisam saber ou professar é que a graça de Deus em Cristo Jesus lhes é suficiente, de forma que descobrem ser verdade -- como Paulo descobriu -- o fato de que podem todas as coisas em Cristo, que os fortalece. Por isso, não esperam pecar, mas, pelo contrário, são capacitados pela graça a se considerarem "como mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus, nosso Senhor" (Rm 6.11). Um santo pode não saber que nunca pecará outra vez, ou pode esperar que nunca mais venha a pecar, por causa de sua confiança, não em suas próprias resoluções, força ou obtenções, mas simplesmente na infinita graça e fidelidade de Cristo. Um santo pode considerar-se, apreciar-se, ou reputar-se como morto em obras e de fato ao pecado e vivo para Deus, esperando viver daqui por diante inteiramente para o Pai tanto quanto espera viver; pode ser verdade que viva assim sem ser capaz de afirmar que sabe estar plena e permanentemente santificado. Pode ser que não o saiba, mas ele pode crer na força de promessas, tais como: "E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. Fiel é o que vos chama, o qual também o fará" (1 Ts 5.23,24). É também verdade que um cristão pode alcançar um estado no qual realmente nunca mais venha a cair em pecado, enquanto, ao mesmo tempo, possa não ser capaz de expressar uma persuasão completa de que nunca mais cairá mesmo. Tudo o que pode dizer de forma inteligente é: "Deus sabe que eu espero nunca mais pecar, mas os acontecimentos mostrarão. Que o Senhor me guarde; eu confio que Ele vai me guardar".

4. Outra objeção é que a doutrina da santificação plena tende ao orgulho espiritual. Mas será verdade que se tornar perfeitamente humilde tende ao orgulho? A plena humildade está implícita na santificação plena. Será verdade que você tem de permanecer no pecado e, assim, apreciar o orgulho para evitar o orgulho? Será que, quando você se recusa a receber Cristo como seu Ajudador, a sua humildade estará mais segura em suas mãos e você estará mais protegido do orgulho espiritual do que estaria seguro se aceitasse Cristo imediatamente como suficiente Salvador?

Encontrei várias observações em documentos antigos e ouvi diferentes sugestões de diversas partes que só aumentaram o medo que, por algum tempo, tenho alimentado quanto ao fato de que multidões de cristãos e na verdade muitos ministros têm visões radicalmente defeituosas da salvação pela fé em Jesus Cristo. Contra a doutrina da santificação plena nesta vida, como crida e ensinada por alguns de nós, ultimamente tem sido muitas vezes objetado que as orações oferecidas conforme essa convicção por uma alma santificada teriam fortes laivos de orgulho espiritual e farisaísmo. Vi essa objeção declarada em sua plena força num periódico religioso, na forma de uma oração imaginária feita por uma alma santificada, tendo como manifesto objetivo expor o chocante absurdo, farisaísmo e orgulho espiritual de uma oração ou, antes, de uma ação de graças feita conforme a convicção daquele que se reconhece plenamente santificado. Tenho de confessar que essa oração, junto com as objeções e observações que sugerem a mesma idéia, criou em minha mente não pequeno grau de alarme. Temo que muitos de nossos teólogos, ao combaterem as doutrinas da graça, tenham perdido inteiramente a visão do significado da linguagem que usam e tenham, na realidade, um entendimento muito pouco prático do que se quer dizer por salvação pela graça em oposição à salvação pelas obras. Se este não é o caso, não sei responder ao sentimento desses teólogos e às suas objeções contra a doutrina da santificação plena.

Se entendo a doutrina da salvação pela graça, tanto a santificação quanto a justificação são feitas pela graça de Deus e não por obras ou méritos nossos, independente da graça de Cristo pela fé. Se esta é a verdadeira doutrina da Bíblia, que objeção terrena pode haver à nossa confissão, profissão e agradecimento a Deus por nossa santificação, não mais do que por nossa justificação? É verdade que em nossa justificação nosso próprio papel de agentes não está relacionado, ao passo que em nossa santificação está. Entendo que a doutrina da Bíblia seja que ambas são ocasionadas mediante a graça, pela fé, e que não devemos ser mais prontamente santificados sem a graça de Cristo do que seríamos justificados sem ela. Quem pretende negar isto? E se for verdade, que peso tem essa classe de objeções à qual aludi? Essas objeções giram em torno da idéia -- sem dúvida latente e assentada no fundo da mente -- de que a verdadeira santidade dos cristãos, em qualquer grau que exista, deve de certo modo ser o resultado de alguma bondade que se origina neles e não na graça de Cristo. Mas deixe-me perguntar: como é possível que homens que alimentem visões praticamente corretas sobre este assunto possam por alguma possibilidade sentir, professar e agradecer a Deus pela santificação, como se isto fosse prova conclusiva de farisaísmo e hipocrisia? Não é compreendido, sob todos os aspectos, que a santificação é pela graça e que o Evangelho fez provisão abundante para a santificação de todos os homens? Isto é admitido por aqueles que declararam esta objeção. Se for assim, o que é mais honrado a Deus: confessar e reclamar que nossos pecados triunfam e ganham domínio sobre nós, ou verdadeira e honestamente lhe poder agradecer por nos ter dado a vitória sobre nossos pecados? Deus disse: "Porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça" (Rm 6.14).

Em vista disto e de milhares de promessas semelhantes, suponha que cheguemos a Deus e digamos: "Senhor, tu fizeste estas grandes e preciosas promessas, mas elas não estão de acordo com nossa experiência. Pois o pecado continua tendo domínio sobre nós. A tua graça não nos é suficiente. Somos continuamente vencidos pela tentação, apesar da tua promessa de que em toda a tentação tu darias um escape, tu disseste que a verdade nos libertaria, mas não estamos livres. Ainda somos escravos de nossos apetites e luxúrias".

Diante do exposto, pergunto: É mais louvável a Deus continuar com uma série de confissões e auto-acusações, em flagrante contradição com as promessas de Deus, e que parecem ser, para dizer o mínimo, uma fraude da graça do Evangelho, ou ser capaz de confessar que em nossa experiência, pela graça, descobrimos a verdade de que a graça de Deus nos é suficiente e que o pecado não tem domínio sobre nós, porque não estamos debaixo da lei, mas debaixo da graça?

Sei que a réplica dirá que, nessa confissão de nossos pecados, não acusamos a graça ou a fidelidade de Deus, já que todas essas promessas estão condicionadas à fé e, por conseguinte, a razão de permanecermos em pecado será debitada à nossa incredulidade, não sendo, portanto, uma depreciação à graça de Cristo. Mas insisto que seja considerado apropriadamente o fato de a fé em si pertencer à operação de Deus -- é em si produzida pela graça e, portanto, sermos obrigados a confessar nossa incredulidade é uma desonra à graça de Cristo. Afinal, é honroso ou desonroso a Deus confessarmos que até a nossa incredulidade é vencida e testemunharmos por experiência própria que a graça do Evangelho é suficiente para nossa atual salvação e santificação? Sem dúvida há muito farisaísmo na igreja que, enquanto fala da graça, na realidade não quer dizer nada disto. Para muitas mentes, alguém que espera ir além da conversão está demonstrando laivos de farisaísmo. Por que tal situação, a menos que alimentem noções farisaicas com respeito à conversão? Muitos se sentiriam chocados ao ouvir alguém em oração agradecer a Deus de maneira não qualificada por ter sido convertido e justificado. Eles podem ficar chocados com isso e, exatamente pelo mesmo princípio, terem a mesma reação se tal pessoa agradecer a Deus de maneira não qualificada por ter sido santificada pela sua graça.

Mas afirmo outra vez que o próprio fato de alguém se sentir chocado ao ouvir uma alma convertida ou santificada agradecer a Deus a graça recebida, mostra que bem no fundo de seu coração encontra-se escondida uma visão farisaica do caminho da salvação e que em sua mente toda a santidade cristã está baseada na jactância; e que se as pessoas foram verdadeira e completamente santificadas, elas na realidade têm um base de jactância diante de Deus. Não sei a que mais dar a razão deste preconceito assombroso. De minha parte, não concebo que haja a menor evidência de farisaísmo quando ouço alguém sincera e cordialmente agradecer a Deus por sua conversão e justificação pela graça. Nem me sentiria chocado, horrorizado ou repugnado ao ouvir alguém agradecer a Deus por tê-lo santificado plenamente por sua graça. Se em um ou em ambos os casos eu tivesse a evidência corroboradora de uma vida evidentemente santa, eu bendiria a Deus, tomaria coragem e teria vontade de chamar todos os que me cercam para glorificar a Deus juntos por tal manifestação de sua gloriosa e excelente graça.

Parece ser geral, de fato, o sentimento de que tal oração ou ação de graças seja semelhante à do fariseu descrito por nosso Salvador. Na verdade este é o princípio no qual esse sentimento se apoia. Mas que razão há para essa suposição? Somos expressamente informados de que essa era a oração de um fariseu. Mas os fariseus eram hipócritas e rejeitavam explícita e abertamente a graça de Cristo. Os fariseus jactavam-se da própria justiça, originada e consumada por sua bondade e não pela graça de Cristo. Conseqüentemente ele não agradeceu a Deus pela graça de Cristo que lhe tinha feito distinto dos outros homens. Esta oração teve como propósito nos ensinar a loucura abominável de alguém que está interpondo uma reivindicação à justiça e verdadeira santidade, independente da graça de Deus por Jesus Cristo. Mas com certeza isto é algo infinitamente diferente da ação de graças de uma alma que reconhece completamente a graça de Cristo e atribui a sua santificação inteiramente àquela graça. E não posso ver como alguém que se despiu totalmente das noções farisaicas a respeito da doutrina da santificação possa supor que estas duas orações sejam análogas em seu princípio e espírito.

5. É também objetado que muitos que aceitaram esta doutrina, são na verdade espiritualmente orgulhosos.1 A isto, respondo:

(1) Muitos que crêem na doutrina da regeneração estão enganados e incrivelmente envaidecidos com a idéia de que foram regenerados, quando na verdade não o foram. Mas esta é uma boa razão para abandonarmos a doutrina da regeneração, ou uma razão para que a doutrina não seja pregada?

(2) Deixe-me perguntar se uma declaração simples do que Deus fez ao seu povo não foi presumida em si como evidência suficiente de orgulho espiritual por parte daqueles que adotaram esta doutrina, enquanto que, na verdade, não havia orgulho espiritual? Parece próximo ao impossível diante da atual visão da igreja que um indivíduo realmente alcance este estado e professe viver sem pecado conhecido de maneira tão humilde que não venha a ser suspeito de enorme orgulho espiritual. Esta observação tem sido uma armadilha para alguns que vacilaram e até negligenciaram declarar o que Deus lhes tinha feito, temendo que fossem acusados de orgulho espiritual. E isto causou sério dano à sua devoção.

6. Mas é objetado, outrossim, que esta doutrina tende à crítica. A isto, respondo:

(1) Não se nega que alguns que professaram crer nesta doutrina se tornaram críticos. Mas isto não condena esta doutrina mais do que condena a da regeneração. E que tende à crítica, pode da mesma maneira ser alegado de toda doutrina reconhecida da Bíblia, assim como desta doutrina.

(2) Que todo cristão cumpra todo o seu dever para com a igreja e para com o mundo em seu estado atual, que fale aos incrédulos como eles realmente são e incorrerá na acusação de crítico. É a coisa mais irracional no mundo supor que a igreja em seu estado atual não acuse algum cristão perfeito de crítico. A santificação plena implica o cumprimento de todo o nosso dever. Mas para cumprir com todo o nosso dever, temos de reprovar o pecado nos lugares altos e nos lugares baixos. Será que isto pode ser feito com toda a severidade necessária, sem em muitos casos ofender e incorrer na acusação de crítico? Não, é impossível. E para sustentar o contrário seria impugnar a sabedoria e santidade do próprio Jesus Cristo.

7. É ainda objetado que os adeptos desta doutrina reduzem o padrão de santidade ao nível de sua própria experiência. A isto, respondo que é comum estabelecer um falso padrão e negligenciar o verdadeiro espírito e significado da lei, representando-a como a exigir algo diferente do que realmente exige. Mas esta noção não está limitada aos que crêem nesta doutrina. A lei moral exige uma e a mesma coisa de todos os agentes morais, isto é, que sejam universal e desinteressadamente benevolentes -- em outras palavras, que amem o Senhor seu Deus de todo o coração e o próximo como a si mesmos. Isto é tudo o que se exige de qualquer um. Quem entendeu que a lei exige menos ou mais do que isto, entendeu mal. O amor é o cumprimento da lei. Mas tenho de remeter o leitor ao que eu disse sobre este assunto, quando tratei do governo moral.

A lei, como vimos em ocasião anterior, nivela suas reivindicações a nós assim como somos, e uma justa exposição do tema, como já afirmei, tem de levar em conta todas as circunstâncias atuais de nosso ser. Isto é indispensável a uma apreensão certa do que constitui santificação plena. Pode haver, como os fatos mostram, perigo de mal-entendido com respeito ao verdadeiro espírito e significado da lei, no sentido de que, teorizando e adotando uma falsa filosofia, a pessoa perca a visão das afirmações mais profundas de sua razão em relação ao verdadeiro espírito e significado da lei. E eu humildemente perguntaria se o erro não foi dar tal interpretação da lei, como naturalmente gerar a idéia tão prevalecente de que, se alguém se tornar santo, não pode mais viver neste mundo? Em carta recentemente recebida de um amado, proficiente e venerado ministro do Evangelho, enquanto o escritor expressava a maior lealdade à doutrina da consagração plena a Deus e dizia que pregava à sua congregação todos os sábados a mesma doutrina que defendemos, mas com outro nome, ele acrescentou que se revoltava em seus sentimentos ao ouvir um simples homem firmar a reivindicação de obediência à lei de Deus. Deixe-me perguntar: Por que isto deveria estar revoltando os sentimentos da devoção? Não seria porque se supõe que a lei de Deus exige algo dos seres humanos em nosso estado que não poderia exigir? Por que tal reivindicação seria julgada extravagante, a menos que as reivindicações do Deus vivo fossem julgadas extravagantes? Se a lei de Deus realmente exige não mais dos homens do que é razoável e possível, por que seria revoltante a qualquer mente ouvir um indivíduo professar ter alcançado a obediência total? Sei que o irmão a quem aludo seria deliberada e conscientemente quase o último homem a dar alguma interpretação forçada à lei de Deus. Contudo, não posso senão sentir que muita dessa dificuldade que homens sinceros têm sobre este assunto surgiu inteiramente de uma comparação da vida dos santos com um padrão no qual a lei de Deus exige ou pode exigir das pessoas sob todos os aspectos de nossas circunstâncias, ou de qualquer agente moral.

8. Outra objeção é que a graça de Deus não é suficiente para garantir a santificação plena dos crentes nesta vida. E sustentado que a questão do alcance da santificação plena nesta vida se decide, afinal de contas, na questão se os cristãos são santificados nesta vida? Os opositores dizem que nada é graça suficiente que não garanta, de fato, a fé, a obediência e a perfeição dos santos, que as providências do Evangelho serão medidas pelos resultados e que a experiência da igreja determina tanto o significado das promessas quanto a extensão das providências da graça. A isto, respondo: Se esta objeção é boa para qualquer coisa com respeito à santificação plena, é igualmente verdade com respeito ao estado espiritual de toda pessoa no mundo. Se o fato de que os homens não são perfeitos prova que nenhuma provisão foi feita para a sua perfeição, o fato de não serem melhores do que são prova que não há provisão para serem melhores do que são, ou que podem não ter tido em mira serem melhores, com alguma esperança racional de sucesso. Mas quem, exceto um fatalista, admitirá conclusão como esta? E, contudo, não vejo senão esta conclusão inevitável de tais premissas. Também pode um pecador impeni-tente insistir que a graça do Evangelho não lhe é, de fato, suficiente, porque não o converte; também pode reduzir tudo à soberania de Deus e dizer: "A soberania de Deus tem de me converter ou não me converterei. E visto que não sou convertido, é porque a graça de Deus não se mostrou suficiente para me converter". Mas quem desculpará o pecador e aceitará seu argumento de que a graça e as providências do Evangelho não lhe são suficientes?

Que os ministros instem com os santos e pecadores sobre as reivindicações de Deus. Que insistam que os pecadores podem e devem imediatamente se tornar cristãos, e que os cristãos podem e devem viver totalmente para Deus. Que exortem os cristãos a viver sem pecado e apresentem a mesma urgência de comando, o mesmo encorajamento que a nova escola apresenta aos pecadores, e logo descobriremos que os cristãos estão entrando na liberdade do amor perfeito à medida que os pecadores descobrem perdão e aceitação. Que os ministros preguem o mesmo Evangelho a todos e insistam que a graça do Evangelho é tão suficiente para salvar de todo o pecado como de parte dele, e logo veremos se a dificuldade não foi que o Evangelho foi escondido e negado até que as igrejas ficaram fracas por incredulidade. A igreja foi ensinada a não esperar a realização das promessas para ela, que é erro perigoso esperar o cumprimento, por exemplo, da promessa: "E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. Fiel é o que vos chama, o qual também o fará" (1 Ts 5.23,24). Quando Deus diz que nos santificará em tudo e nos conservará irrepreensíveis para a vinda do Senhor, os mestres em Israel nos dizem que esperar tal cumprimento é erro perigoso.

9. Outra objeção a esta doutrina é que contraria as concepções de alguns dos maiores e melhores homens da igreja; que homens como Agostinho, Calvino, Doddridge, Edwards e outros eram de opinião diferente. A isto, respondo:

(1) Supondo que a opinião deles fosse diferente, não devemos chamar ninguém de pai em sentido tal a lhe entregar a determinação de nossa visão da doutrina cristã.

(2) Esta objeção vem junto com uma graça muito capenga daqueles que rejeitam inteiramente as opiniões desses teólogos em alguns dos pontos mais importantes da doutrina cristã.

(3) Todos esses homens defendem a doutrina da depravação moral física, a qual era manifestadamente a base para rejeitarem a doutrina da santificação plena nesta vida. Sustentando, como parece terem feito, que as suscetibilidades constitucionais do corpo e da mente são pecaminosamente depravadas, a coerência os levou a rejeitar a idéia de que as pessoas pudessem ser plenamente santificadas enquanto no corpo. Eu perguntaria: que coerência há em citá-los como aqueles que rejeitam a doutrina da santificação plena nesta vida, enquanto a razão desta rejeição em suas mentes foi fundamentada na doutrina da depravação moral física, cuja noção é inteiramente negada por aqueles que se abrigam na autoridade deles para objetar a nossa doutrina?

10. Mas também é objetado que se alcançássemos esse estado de ininterrupta consagração ou santificação, não o saberíamos até o dia do julgamento. E que defender esse alcance é vão, já que ninguém pode saber se alcançou a santificação. A isto, respondo:

(1) A consciência do homem é a evidência mais alta e melhor do estado vigente de sua própria mente. Entendo que a consciência é o reconhecimento da mente de sua própria existência e suas práticas, e que é a evidência mais alta possível à mente do que se passa no interior do homem. A consciência só pode testemunhar a nossa santificação atual; mas:

(2) Tendo a lei de Deus diante de nós como nosso padrão, o testemunho da consciência com respeito a se a mente é conformada àquele padrão ou não é a evidência mais alta que ela pode ter de um estado presente conformado a essa regra.

(3) E um testemunho que não podemos duvidar, não mais que podemos duvidar de nossa existência. Como sabemos que existimos? Respondo: Por nossa consciência. Como sei que respiro, amo, odeio, me sento, fico em pé, me deito, me levanto, estou alegre ou triste? Em suma, que eu exercito alguma emoção, ou volição, ou afeto da mente? Como sei que peco, me arrependo ou creio? Respondo: Por minha consciência. Nenhum testemunho pode ser "mais direto e convincente do que este".

Para saber se meu arrependimento é genuíno, tenho de saber o que é arrependimento genuíno. Assim, se eu souber que o meu amor a Deus e aos homens são genuínos, ou a obediência à lei é genuína, tenho de ter claramente diante de minha mente o real espírito, significado e propósito da lei de Deus. Tendo a norma diante de minha mente, minha própria consciência proporciona "a evidência mais direta e convincente possível" se meu atual estado de mente está conformado à norma. O Espírito de Deus nunca é empregado a testemunhar ao que minha consciência ensina, mas a acender uma luz forte diante de minha mente para a norma à qual devo conformar minha vida. É da competência do Espírito me fazer entender, me induzir a amar e obedecer a verdade. E compete à consciência testemunhar à minha mente se obedeço ou não a verdade, quando eu a apreendo. Quando Deus assim apresenta a verdade no que tange a dar à mente a garantia de que ela entende a mente e a vontade de Deus sobre qualquer assunto, a consciência de seu estado em vista dessa verdade é a evidência "mais alta e mais direta possível" se ela obedece ou desobedece.

(4) Se um homem não pode estar ciente do caráter de sua escolha suprema ou última, em cuja escolha consiste o seu caráter moral, como pode saber quando e de que tem de se arrepender? Se cometeu pecado do qual não está ciente, como é que deve se arrepender? E se tem uma santidade da qual não está ciente, como pode sentir que tem paz com Deus?

Mas dizem que um homem pode violar a lei e não saber disso e, por conseguinte, não ter consciência de que pecou, porém que, mais tarde, um conhecimento da lei pode convencê-lo do pecado. A isto, respondo: Se não houve absolutamente nenhum conhecimento de que a coisa em questão estava errada, o fazer aquela coisa não seria pecado, já que algum grau de conhecimento do que é certo ou errado é indispensável ao caráter moral de qualquer ato. Em tal caso, pode haver uma ignorância pecadora que envolve toda a culpa dessas ações, mas essa culpabilidade jaz nesse estado de coração que induziu o homem e não na violação da norma da qual a mente estava, na ocasião, totalmente ignorante.

(5) A Bíblia presume em todas as suas páginas que podemos saber e nos exige que saibamos qual é o estado moral de nossa mente. Ela nos ordena a examinarmos a nós mesmos para saber e provar o nosso eu. Como isto pode ser feito, senão levando nosso coração sob a luz da lei de Deus e depois tomando o testemunho de nossa própria consciência, se estamos ou não em um estado de conformidade à lei? Mas se não recebermos o testemunho de nossa própria consciência com respeito à nossa santificação atual, devemos recebê-lo a respeito de nosso arrependimento ou de alguma outra prática da mente? O fato é que podemos nos enganar quando não nos dispomos a nos comparar com o padrão certo. Mas quando nossa visão do padrão é correta e nossa consciência presta testemunho de um estado de mente resoluto e inequívoco, não podemos nos enganar mais do que podemos nos enganar com respeito à nossa própria existência.

(6) Dizem, porém, que nossa consciência não nos ensina quais sejam o poder e faculdades de nossa mente e que, portanto, se a consciência pudesse nos ensinar a respeito do tipo de nossas práticas, não nos poderia ensinar com respeito ao seu grau, se são iguais à faculdade atual de nossa mente. A isto, respondo:

A consciência tão inequivocamente testifica se amamos ou não a Deus de todo o nosso coração, quanto testifica se de modo algum o amamos. Como o homem sabe que ele ergue um peso tanto quanto pode, ou corre, ou caminha tão rápido quanto é capaz? Respondo: Por sua consciência. Como ele sabe que se arrepende ou ama de todo o coração? Respondo: Por sua consciência. Esta é a única maneira possível pela qual pode saber isso.

A objeção implica que Deus não colocou dentro de nosso alcance nenhuma maneira possível de sabermos se o obedecemos ou não. A Bíblia não revela o fato diretamente a ninguém, se o indivíduo obedece a Deus ou não. Ela revela o seu dever, mas não revela o fato se ele obedece. Refere-se ao testemunho de sua consciência. O Espírito de Deus coloca nosso dever diante de nós, mas não nos revela diretamente se o fazemos ou não, pois isto implicaria que todo homem está sob inspiração constante.

Mas é afirmado que a Bíblia dirige nossa atenção para o fato, quer exteriormente obedeçamos, quer desobedeçamos, como evidência se estamos em um estado certo de mente ou não. Mas eu perguntaria: como sabemos se obedecemos ou desobedecemos? Como sabemos algo de nossa conduta senão por nossa consciência? Nossa conduta, como observado por outros, é evidência para eles do estado de nosso coração. Mas, repito, nossa consciência de obediência a Deus é a mais elevada e, na verdade, a única evidência de nosso verdadeiro caráter. Se a própria consciência do homem não deve ser uma testemunha, quer a favor, quer contra Deus, outra testemunha nunca pode satisfazê-lo da propriedade do tratamento de Deus com ele no julgamento final. Há casos de ocorrência comum em que as testemunhas testificam culpando ou inocentando uma pessoa, contrário ao testemunho de sua própria consciência. Em todos esses casos, das próprias leis do seu ser, rejeita todas as outras testemunhas e, deixe-me acrescentar, rejeitaria o testemunho de Deus e, segundo as próprias leis do seu ser, deve rejeitá-lo se contradiz a sua consciência. Quando Deus convence alguém de pecado, não está contradizendo a consciência dessa pessoa, mas colocando a consciência que tinha na ocasião sob a luz forte e clara de sua memória, levando-a a descobrir claramente e a se lembrar distintamente da quantidade de luz que tinha, que pensamentos, que convicções, que intenção ou desígnio, em outras palavras, que consciência tinha na ocasião. E este, acrescento, é o meio e o único meio pelo qual o Espírito de Deus pode convencer um homem de pecado e assim levá-lo a se condenar. Suponha que Deus desse testemunho contra um homem de que em tal momento ele fez tal coisa, que assim e assim foram todas as circunstâncias do caso. E imagine que ao mesmo tempo a consciência do indivíduo inequivocamente o contradissesse. O testemunho de Deus neste caso não pode satisfazer a mente do homem, nem levá-lo a um estado de auto-condenação. O único meio possível pelo qual este estado de mente poderia ser induzido seria aniquilar a sua consciência adversária e condená-lo simplesmente segundo o testemunho de Deus.

(7) Os homens podem negligenciar o que é consciência. Eles podem enganar-se a respeito da norma do dever, podem confundir a consciência com um mero estado negativo da mente, ou que nisso um homem não está consciente de um estado de oposição à verdade. Não obstante, tem de permanecer verdadeiro para sempre que, para nossas próprias mentes, "a consciência deve ser a mais alta evidência possível" do que se passa dentro de nós. E se um homem por sua própria consciência não sabe se faz o melhor que pode, dadas as circunstâncias -- se tem um único olho para a glória de Deus e se está em um estado de consagração plena a Deus -- não lhe é possível saber de nenhuma outra forma. E nenhum testemunho, quer de Deus, quer dos homens, pode, de acordo com as leis do seu ser, satisfazê-lo no que tange, por um lado, à convicção da culpa, ou, por outro, à auto-aprovação.

(8) Deixe-me perguntar: como é que aqueles que fazem esta objeção sabem que não estão em um estado santificado? Deus lhes revelou? Ele lhes revelou na Bíblia? A Bíblia diz a A ou B, por indicação: "Você não está em um estado santificado"? Ou estabelece uma norma, à luz da qual sua consciência testifica contra ele? Deus revelou diretamente pelo seu Espírito que A ou B está em um estado santificado, ou Ele mantém a norma do dever fortemente diante da mente e assim desperta o testemunho de sua consciência de que não está neste estado? Exatamente da mesma maneira, a consciência testifica àqueles que são santificados que eles estão neste estado. Nem a Bíblia, nem o Espírito de

Deus lhe faz alguma revelação nova ou particular por indicação. Mas o Espírito de Deus presta testemunho ao espírito das pessoas colocando a norma sob uma forte luz diante delas. Ele induz esse estado de mente que a consciência pronuncia estar em conformidade com a norma. Isto é tanto quanto possível pondo de lado o julgamento de Deus no caso. Para a consciência, sob estas circunstâncias, é o testemunho de Deus e o modo pelo qual Ele convence de pecado, por um lado, e da consagração plena, por outro -- e a decisão da consciência nos é apresentada na consciência.

Alguns ainda objetam que só a consciência não é evidência nem sequer a nós de estarmos ou não em um estado de santificação plena, que o julgamento da mente também é empregado na determinação do verdadeiro intento e significado da lei e é tão categoricamente uma testemunha no caso quanto a consciência o é. "A consciência", dizem, "nos dá os exercícios de nossa mente e o julgamento resolve se estes exercícios estão conforme a lei de Deus." Assim, é o julgamento e não a consciência que determina se estamos ou não em um estado de santificação plena e, portanto, se em nosso julgamento da lei acontece de estarmos equivocados, o que é bem comum, em tal caso estamos totalmente enganados se pensamos estar em um estado de santificação plena. A isto, respondo:

É realmente o nosso julgamento que determina o intento e significado da lei. Podemos nos enganar com respeito à sua verdadeira aplicação em certos casos no que tange à conduta externa, mas que seja lembrado que nem o pecado, nem a santidade se encontra no ato externo. Ambos só pertencem à intenção última. Ninguém, como já foi mostrado, pode equivocar-se do seu verdadeiro dever. Todo o mundo sabe e não pode senão saber que benevolência desinteressada é o seu dever. Isto e nada mais do que isto é o seu dever. Isto ele pode saber e sobre isto não precisa se enganar. E é certo que se o homem pode estar certo de algo, pode estar certo a respeito do fim para o qual vive ou a respeito da sua suprema intenção última.

Eu nego que seja o julgamento que nos testemunha a respeito do estado de nossa mente. Há várias faculdades da mente chamadas em exercício, determinando o significado e obedecendo a lei de Deus, mas é só a consciência que nos dá esses exercícios. Nada mais do que a consciência nos pode dar algum exercício de nossa mente, quer dizer, não temos conhecimento de nenhum exercício senão por nossa consciência. Suponha que o julgamento seja exercido, a vontade seja exercida e todas as faculdades involuntárias sejam exercidas. Estes exercícios só e simplesmente nos são revelados pela consciência, de forma que permanece uma verdade invariável que a consciência nos é a única testemunha possível de quais sejam nossos exercícios e, por conseguinte, do estado de nossa mente. Então, quando digo que pela consciência uma pessoa pode saber se está em um estado de santificação, quero dizer que a consciência é a verdadeira e única evidência que podemos ter de ela estar neste estado.

Esta objeção está baseada num mal-entendido do que constitui santificação plena ou contínua. Consiste, como foi mostrado, em consagração permanente a Deus e não, como a objeção presume, em afetos e sentimentos involuntários. Quando é considerado que a santificação plena consiste em uma boa vontade permanente a Deus e ao ser humano em geral em viver para um fim, que impossibilidade real pode haver em saber se estamos dedicados supremamente a este fim, ou supremamente dedicados ao nosso próprio interesse?

11. Também é objetado que se este estado fosse alcançado nesta vida seria o fim de nossa provação. A isto, respondo: Essa provação desde a Queda de Adão ou aqueles pontos nos quais estamos em um estado de provação ou tentação, ocorrem:

(1) Se nos arrependermos e crermos no Evangelho.

(2) Se perseverarmos em santidade até o fim da vida.

Alguns supõem que a doutrina da perseverança dos santos põe de lado a idéia de estarmos em um estado de provação depois da conversão. Eles argumentam assim: Se é certo que os santos vão perseverar, então a provação deles acabou, porque a questão já está resolvida, não só que estão convertidos, mas que irão perseverar até o fim; e a contingência com respeito ao evento é indispensável à idéia da provação. A isto, respondo: Uma coisa pode ser contingente ao homem e de maneira nenhuma a Deus. A Deus não há e nunca houve alguma contingência, no sentido de incerteza, com respeito ao destino final de qualquer ser humano. Mas aos homens quase todas as coisas são contingentes. Deus sabe com certeza absoluta se um homem se converterá e se ele perseverará. Um homem pode saber que é convertido e crer que pela graça de Deus perseverará. Ele pode ter certeza disto em proporção à força de sua fé. Mas o conhecimento deste fato não é incoerente com a idéia de continuar em um estado de provação até o dia de sua morte, já que a sua perseverança depende do exercício de sua agência voluntária -- e também porque a sua perseverança é a condição de sua salvação final.

Da mesma maneira, alguns dizem que se alcançamos um estado de santificação plena ou permanente, já não podemos mais estar em um estado de provação. Respondo que essa perseverança depende das promessas e graça de Deus, da mesma forma que a perseverança final dos santos depende delas. Em nenhum caso podemos ter alguma outra garantia de nossa perseverança, senão a da fé na promessa e graça de Deus; nem algum outro conhecimento que continuaremos neste estado, senão o que surge de uma convicção no testemunho de Deus de que Ele nos conservará inocentes até a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. Se isto é incoerente com a nossa provação, não vejo por que a doutrina da perseverança dos santos não seja igualmente incoerente. Se alguém está disposto a sustentar que o fato de termos algum julgamento ou convicção fundamentados nas promessas de Deus com relação à nossa perseverança final é incoerente com um estado de provação, tudo que posso dizer é que a visão de Deus da provação é muito diferente da minha e, até onde entendo, da visão da igreja de Deus.

Novamente: Há um senso muito elevado e importante no qual todo ser moral permanecerá em provação por toda a eternidade. Enquanto se está sob o governo moral de Deus, a obediência tem de permanecer para sempre como condição do favor de Deus. E a obediência continuada dependerá para sempre da fidelidade e graça de Deus, e a única confiança que sempre podemos ter, quer no céu, quer na terra, de que continuaremos a obedecer, tem de estar fundamentada na fidelidade e verdade de Deus.

Outra vez: Se fosse verdade que entrando em um estado de santificação permanente nesta vida, fosse, em certo sentido, o fim de nossa provação, isso não seria objeção à doutrina, pois há um senso no qual a provação termina muito tempo antes do fim desta vida. Por exemplo, onde por algum motivo Deus deixou os pecadores encherem a medida da iniqüidade, retirando deles o Espírito Santo para sempre e selando-os com a morte eterna; este é, em certo sentido muito importante, o fim da provação deles e tão certamente são do inferno quanto se já estivessem lá. Assim, por outro lado, quando uma pessoa recebeu, depois de crer, o selo do Espírito até o Dia da Redenção como um pagamento adiantado de sua herança, ela pode considerá-lo e é obrigada a considerá-lo como penhor solene por parte de Deus da sua perseverança e salvação finais, e já não deixa em dúvida a questão final do seu destino.

Deve ser lembrado que em ambos os casos o resultado depende do exercício da agência da criatura. No caso do pecador afastado de Deus, é certo que ele não se arrependerá, embora sua impenitência seja voluntária e de jeito algum uma coisa naturalmente necessária. Assim, por outro lado, a perseverança dos santos é certa, embora não necessária. Se em qualquer caso houver uma mudança radical de caráter, o resultado diferirá adequadamente.

12. De novo: Enquanto alguns admitem que a santificação plena nesta vida seja alcançável, é não obstante negado que haja certeza de que será alcançada por alguém antes da morte, porque, dizem, assim como todas as promessas de santificação plena estão condicionadas à fé, elas não garantem a santificação plena de ninguém. A isto, respondo que todas as promessas de salvação na Bíblia estão condicionadas à fé e ao arrependimento, e que, portanto, não se conclui por este princípio que ninguém jamais será salvo. O que todo este argumento prova? O fato é que ao passo que as promessas de salvação e santificação estejam condicionadas à fé, contudo as promessas que afirmam que Deus converterá e santificará os eleitos -- espírito, alma e corpo -- e os preservará e os salvará, devem ser cumpridas e terão cumprimento pela graça livre atraindo e garantindo o consentimento do livre-arbítrio. Com respeito à salvação dos pecadores, é prometido que Cristo terá uma semente para servi-lo, e a Bíblia é repleta de promessas a Cristo que garantem a salvação de grandes multidões de pecadores. Assim, as promessas de que a igreja, na qualidade de corpo, em algum período de sua história terrena, será plenamente santificada, são, no que diz respeito à igreja, incondicionais no sentido de que seguramente serão realizadas. Mas, como já mostrei, no que se relaciona a indivíduos, a realização destas promessas tem de depender do exercício da fé. Tanto no que diz respeito à salvação dos pecadores quanto à santificação dos cristãos, Deus está empenhado em causar a salvação do um e a santificação de outro, na medida de sua promessa a Cristo.

13. Também é objetado que a santificação dos santos depende da soberania de Deus. A isto, respondo que tanto a santificação dos santos quanto a conversão dos pecadores é, em certo sentido, dependente da graça soberana de Deus. Mas quem, exceto um antinomiano, iria, por esta razão, hesitar em instar com os pecadores para que se arrependam imediatamente e creiam no Evangelho? Alguém pensaria em fazer objeções à doutrina ou ao fato do arrependimento, dizendo que o arrependimento e a conversão dos pecadores são dependentes da soberania de Deus? E, não obstante, se a soberania de Deus pode ser alegada justamente como impedimento à doutrina da santificação plena, pode, de qualquer ângulo que vejo, com igual propriedade ser alegada como impedimento à doutrina e ao fato do arrependimento. Não temos controvérsia com quem quer que seja sobre o tema da santificação plena, que irá tão completa quanto firmemente defender até o fim o dever, a possibilidade e o alcance da santificação plena, como também do arrependimento e salvação. Que ambos sejam colocados onde a Bíblia os coloca, na mesma base, tanto quanto o dever e a praticabilidade de ambos estejam relacionados. Suponha que alguém afirme ser irracional e perigoso os pecadores esperarem ser convertidos, santificados e salvos, porque tudo depende da soberania de Deus e eles não sabem o que Deus fará. Quem diria isso? Mas por que não dizer também o mesmo quanto à objeção à santificação que agora estamos considerando?

 

Observações finais2

1. Há uma importância a ser vinculada à santificação do corpo, da qual muito poucas pessoas parecem estar cientes. De fato, a menos que os apetites e faculdades carnais estejam consagrados ao serviço de Deus -- a menos que aprendamos a comer, beber, dormir, acordar, trabalhar e descansar para a glória de Deus -- a santificação permanente como algo prático está fora de questão. Está claro que muito poucas pessoas estão cientes da grande influência que o corpo tem sobre a mente e da necessidade indispensável de dominar o corpo e mantê-lo sob sujeição.

Alguns parecem manter o fato firmemente à vista de que, a menos que o corpo seja corretamente subjugado, ele será uma fonte tão feroz e dominante de tentação para a mente, quanto inevitavelmente levá-la ao pecado. Se essas pessoas se entregam a uma dieta estimulante e ao uso desses condimentos que irritam o sistema nervoso, o corpo será, claro e necessariamente, a fonte de tentação poderosa e incessante aos temperamentos maus e aos afetos vis. Se as pessoas estivessem cônscias da grande influência que o corpo tem sobre a mente, perceberiam que não podem ser demasiado cuidadosas em preservar o sistema nervoso da influência de todo tipo impróprio de comida ou bebida, e preservariam esse sistema como fariam com a menina dos olhos de toda influência que prejudicasse suas funções. Ninguém que tenha oportunidade de obter informações a respeito das leis da vida e saúde e dos melhores meios de santificar todo o espírito, alma e corpo, pode ser inocente se negligenciar esses meios de conhecimento. Todo homem é obrigado a tornar a estrutura e as leis do corpo e mente o tema de investigação tão completa quanto as circunstâncias permitirem, a fim de se informar com respeito sobre quais são os verdadeiros princípios da temperança perfeita e de que modo o melhor pode ser tirado de todas as suas faculdades do corpo e da mente para a glória de Deus.

2. Do que foi dito nestas aulas, a razão por que a igreja não foi plenamente santificada é muito óbvia. Na qualidade de corpo, a igreja não crê que tal estado seja alcançável até perto do fim da vida. E esta é razão suficiente e na verdade a mais séria de todas as razões para que ela não a tenha alcançado.

3. Do que foi dito, é fácil perceber que a verdadeira questão a respeito da santificação plena nesta vida é: É alcançável de fato? Alguns pensam que a questão adequada é: Os cristãos são santificados plenamente nesta vida? Com certeza esta não é questão que precise ser discutida. Suponha que seja dado por certo que eles não são santificados plenamente nesta vida. Este fato é suficientemente responsável pela consideração de que não sabem ou crêem que seja alcançável até o fim da vida. Se cressem que fosse alcançável, já não pode mais ser verdade que eles não o alcancem. Mas se é de fato feita a provisão para esta obtenção, não significa nada, a menos que seja reconhecido e crido. O que é preciso é fazer com que a igreja veja e creia que este é seu alto privilégio e dever. Não é o bastante, como foi mostrado, dizer que é alcançável simplesmente com base na capacidade natural. Isto é tão verdadeiro do diabo e dos perdidos no inferno quanto o é dos homens neste mundo. Mas a menos que a graça tenha posto esta obtenção dentro de nosso alcance de forma que seja alcançada com perspectiva razoável de sucesso, não há, de fato, mais provisão para a nossa santificação plena nesta vida do que para o diabo. Como foi dito, parece ser frívolo com o gênero humano meramente defender o alcance deste estado com base apenas na capacidade natural e dizer-lhes ao mesmo tempo que eles certamente nunca exercitarão esta capacidade, a menos que estejam dispostos a fazê-lo pela graça de Deus. Além disso, que é erro perigoso esperarmos receber de Deus a graça para garantir este resultado, que possamos pela possibilidade natural atingir esta obtenção, mas que é erro irracional e perigoso esperar alcançá-lo ou esperar receber graça suficiente para garanti-lo.

A verdadeira questão é: A graça colocou esta obtenção dentro de nosso alcance de forma que esperemos razoavelmente, ao alcançá-la, experimentá-la nesta vida? Admite-se que com base na capacidade natural, os homens maus e os demônios têm o poder de ser plenamente santos. Mas também é admitido que a indisposição deles em usar este poder corretamente é tão completa, que nunca o usarão, a menos que sejam influenciados a fazê-lo pela graça de Deus. Entretanto, insisto que a verdadeira questão é: Se as providências do Evangelho são tamanhas que a igreja as entendeu inteiramente e tomou posse da graça oferecida, ela poderia alcançar este estado? Estamos tão plenamente autorizados a oferecer esta graça aos cristãos quanto estamos a oferecer a graça de arrependimento e perdão aos pecadores? Podemos tão coerentemente insistir que os cristãos tomem posse da suficiente graça santificadora para mantê-los longe de todo o pecado, quanto a insistir que os pecadores tomem posse de Cristo para a justificação? Podemos insistir em um tão real e honestamente quanto no outro?

4. Vemos o quanto é irrelevante e absurda a objeção de que a igreja não alcançou este estado e que, portanto, não é alcançável. Por que, se eles não entenderam que é alcançável, não contesta mais o seu alcance do que o fato de que o pagão que não aceitou o Evangelho prova que ele não o atingirá quando o souber. Julguei em minha mente ser perigoso chamar os pecadores para se arrependerem e crer no Evangelho; e, ao contrário, os calvinistas lhes disseram que não podiam se arrepender, que tinham de esperar o tempo de Deus; e foi considerado erro perigoso o pecador pensar que ele pudesse se arrepender. Mas quem não sabe que a persuasão completa de uma doutrina oposta levou milhares ao arrependimento? O mesmo curso precisa ser perseguido pelos cristãos. Em vez de ser dito que é perigoso esperar ser plenamente santificado nesta vida, devem ser ensinados a crer imediatamente e a tomar posse das promessas de amor e fé perfeitos.

5. Você percebe a necessidade de pregar plenamente, de insistir nesta doutrina e chamá-la por seu verdadeiro nome bíblico. É surpreendente ver até onde vai a tendência entre os homens de evitarem o uso da linguagem bíblica e a separarem-se da linguagem de homens como Edwards e outros teólogos importantes e bons. Eles fazem objeção aos termos perfeição e santificação plena e preferem usar os termos consagração plena e outros como tem sido comum na igreja.

Eu não iria de jeito nenhum discutir o uso de palavras, mas ainda me parece ser de grande importância que usemos a linguagem das Escrituras e instamos aos homens a serem "perfeitos, como é perfeito o vosso Pai" (Mt 5.48) e a serem santos em "todo o vosso espírito, e alma, e corpo" (1 Ts 5.23). Isto me parece ser muito importante pela razão de que se usamos a linguagem à qual a igreja esteve acostumada sobre este assunto, ela irá, como o fez, nos entender mal e não terá em mente o que realmente queremos dizer. Que isto é assim manifesto do fato de que a maior parte da igreja expressará alarme com o uso dos termos perfeição e santificação plena, mas não expressará nem sentirá tal alarme se falarmos de consagração plena. Isto demonstra que de jeito nenhum os cristãos entendem estes termos como a significar a mesma coisa. E embora eu os entendo que significam exatamente a mesma coisa, contudo vejo-me obrigado a usar os termos perfeição e santificação plena para dar as suas mentes o real significado dos termos. Esta é a linguagem da Bíblia. E linguagem irrepreensível. E já que a igreja entende que a consagração plena significa algo menos que a santificação plena ou a perfeição cristã, me parece de grande relevância que os ministros usem uma fraseologia que chame a atenção da igreja à verdadeira doutrina da Bíblia sobre este assunto. Com grande humildade, eu submeteria a questão a meus irmãos amados no ministério, se eles não estivessem cientes de que os cristãos têm uma idéia muito pequena do que está implícito na consagração plena, e se não fosse útil e melhor adotar uma fraseologia ao abordá-los que viesse a lhes chamar a atenção ao verdadeiro significado das palavras que usam?

6. Não é permitido aos jovens convertidos nem entregarem-se ao pensamento de que poderiam viver um dia inteiro sem pecado. Eles têm como regra geral pensar que não é ensinado que eles esperem viver nem por um dia sem pecado, mais do que é ensinado que esperem o arrebatamento imediato -- de alma e corpo -- para o céu. Claro que não sabem que há outra maneira que não seja continuar em pecado, e por mais que lhes pareça chocante e constrangedora a necessidade, no ardor do primeiro amor, ainda o consideram como um fato inalterável, como algo natural estar em grande parte em escravidão ao pecado, enquanto vivem neste mundo. Com ortodoxia como esta, com a convicção na igreja e ministério tão amadurecida, resolvida e universal, ou seja, que o máximo que a graça de Deus pode fazer pelos homens neste mundo é levá-los ao arrependimento e deixá-los a viver e morrer em um estado de pecar e se arrepender, será que é absolutamente assombroso que o estado da religião seja realmente como é?

Examinando os resultados para os cristãos da pregação da doutrina em questão, sinto-me compelido a dizer que até onde vai toda a observação, tenho a mesma evidência de que é verdadeira e, como tal, reconhecida e abençoada por Deus para a elevação da santidade dos cristãos, assim como tenho que estas são verdades que tantas vezes prego aos pecadores e que foram abençoadas por Deus para a conversão deles. Esta doutrina parece tão naturalmente calculada a elevar a devoção dos cristãos, e tão realmente a resultar a elevação da devoção deles, sob a bênção de Deus, como eram aquelas verdades que preguei aos pecadores para a conversão deles.

7. Cristo em grande parte tem sido esquecido de algumas de suas relações mais importantes com o gênero humano. Ele é conhecido e pregado como o Salvador que perdoa e justifica, mas é pouco conhecido como o Salvador que habita e reina no coração. Veio-me à mente uma observação feita alguns anos atrás por um irmão que desde então tenho amado muitíssimo. Durante um tempo ele esteve em um estado desanimado da mente, derrotado por um enorme senso de sua própria vileza, não vendo meio de escape. Num culto à noite o Senhor se revelou a ele, que ficou tão completamente vencido em sua força física que seus irmãos foram obrigados a levá-lo carregado para casa. A próxima vez que o vi, ele me exclamou com um ar patético que nunca esquecerei: "Irmão Finney, a igreja enterrou o Salvador". Não há dúvida ser verdade que a igreja se tornou tremendamente alienada de Cristo -- perdeu grande parte do conhecimento de quem Ele é e deve ser para ela, e grande número de seus membros, tenho boas razões para saber, em partes diferentes do país, está dizendo com emoção profunda e pujante: "Porque levaram o meu Senhor, e não sei onde o puseram" (Jo 20.13).

8. Com toda a sua ortodoxia, a igreja esteve por longo tempo muito mais próxima do unitarismo do que imaginou. Esta observação pode chocar alguns dos meus leitores, e talvez você ache que tenha laivos de crítica. Mas, amado, estou certo de não ter dito com tal espírito. Estas são palavras de verdade e sobriedade. Tão pouco é conhecido de Cristo que, se não estou inteiramente enganado, há muitos nas igrejas ortodoxas que não conhecem Cristo e que no coração são unitários, enquanto que na teoria são ortodoxos. Eles nunca conheceram Cristo no sentido em que falei dEle nestas aulas.

Durante alguns anos, fiquei profundamente impressionado com o fato de que tantos religiosos estão chegando à convicção madura de que nunca conheceram Cristo. Tem havido neste lugar desenvolvimentos quase ininterruptos deste fato, e duvido que haja um ministro na terra que apresente Cristo como o Evangelho o apresenta, em toda a riqueza de suas relações oficiais ao gênero humano, que não venha a ficar impressionado e aflito com os desenvolvimentos que o assegurarão que a maior parte dos religiosos não conhece o Salvador. Foi para minha mente questão dolorosa e séria, o que eu deveria pensar sobre o estado espiritual daqueles que sabem pouco do bendito Jesus. Que nenhum deles se converteu, não ouso dizer. E, não obstante, que eles sejam convertidos, tenho medo de dizer. Eu não faria pelo mundo o trabalho de quebrar "a cana trilhada" ou apagar "o pavio que fumega" (Is 42.3), ou dizer algo que cause tropeço ou enfraqueça o cordeiro mais fraco de Cristo. Contudo meu coração está dolorido, minha alma está doente, minhas entranhas enternecem-se de compaixão pela igreja do Deus bendito. A querida igreja de Cristo! O que ela sabe em seu atual estado sobre o descanso do Evangelho, sobre a grande e perfeita paz (Is 26.3) que têm aqueles cuja mente está firme em Deus? A igreja neste lugar é composta, em grande parte, de religiosos de diferentes partes do mundo que chegaram mais perto por propósitos educacionais e provenientes de considerações religiosas. E, como eu disse, às vezes fico consternado com as revelações que o Espírito de Deus faz do verdadeiro estado espiritual de muitos que chegaram aqui e foram considerados por outros antes que chegassem e por eles mesmos como verdadeiramente convertidos a Deus.

9. Se não estou enganado, há um amplo sentimento entre os cristãos e os ministros que muito do que deve ser conhecido e pode ser conhecido do Salvador, não o é. Muitos estão começando a achar que o Salvador é para eles uma "raiz de uma terra seca", sem parecer nem formosura (Is 53.2); que o Evangelho que eles pregam ou ouvem não é "o poder de Deus para salvação" do pecado (Rm 1.16); que para eles não são "alegres novas" (Lc 1.19); que não é para eles um Evangelho que dá paz; e muitos sentem que se Cristo fez por eles tudo o que a sua graça pode fazer nesta vida, o plano de salvação é tristemente defeituoso; que Cristo não é, afinal de contas, um Salvador adequado às necessidades deles; que a religião que têm não é adequada para o mundo no qual vivem; que não os liberta e não lhes pode libertar, mas que os deixa em um estado de escravidão perpétua. Suas almas estão em agonia e são lançadas para lá e para cá sem um lugar de descanso. Muitos também estão começando a ver que há muitas passagens, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, que eles não entendem; que as promessas parecem significar muito mais do que jamais perceberam; e que o Evangelho e o plano de salvação, como um todo, devem ser algo muito diferente do que jamais apreenderam. Há, se não me engano, grandes multidões por toda parte do país que estão fazendo perguntas mais veementes do que nunca antes, depois de um conhecimento desse Jesus que salva o seu povo dos pecados deles.

10. Se a doutrina apresentada nestas aulas é verdadeira, você percebe a imensa importância de pregá-la clara e inteiramente em avivamentos religiosos. Quando o coração dos convertidos está morno do seu primeiro amor, então é tempo de torná-lo inteiramente ciente do seu Salvador, de apresentar Jesus em todos os seus ofícios e relações para quebrar o poder de todo pecado -- a levar os convertidos a se separar para sempre de toda auto-dependência e a receber Cristo como um Salvador presente, perfeito e perpétuo, na medida que isto pode ser possível com a experiência limitada deles.

11. A menos que este curso seja tomado, sua apostasia é inevitável. As pessoas podem esperar fazer voltar com a mão as águas do Niágara, tanto quanto permanecer na maré de seus anteriores hábitos de mente, cercadas como estão pela tentação, sem um conhecido profundo, completo e experimental do Salvador. E se elas forem lançadas na sua própria vigilância e recursos pela força contra a tentação, em vez de serem dirigidas ao Salvador, com certeza ficarão desanimadas e cairão em triste escravidão.

12. Mas, antes de concluir estas observações, não devo deixar de comentar a necessidade indispensável de uma disposição em fazer a vontade de Deus, a fim de entendermos corretamente esta doutrina. Se um homem está pouco disposto a deixar seus pecados, a se negar de toda impiedade e de toda luxúria mundana, se está pouco disposto a ser inteiramente e para sempre separado ao serviço do Senhor, ele ou a rejeitará totalmente como doutrina, ou só intelectualmente a aceitará, sem recebê-la no coração. É um estado de mente eminentemente perigoso concordar com esta ou qualquer outra doutrina do Evangelho, e não pô-la em prática.

13. Muitos danos foram feitos por aqueles que professamente adotaram esta doutrina na teoria e a rejeitaram na prática. O espírito e temperamento desses indivíduos têm levado aqueles que os vêem a deduzir que a tendência da doutrina em si é ruim. E não há que duvidar que alguns que professaram ter experimentado o poder desta doutrina em seu coração têm grandemente desgraçado a religião, exibindo um espírito muito diferente do espírito de alguém plenamente santificado. Mas por que isto deveria ser uma pedra de tropeço numa terra cristã? Quando o pagão vê as pessoas de nações cristãs que adotam abertamente o sistema cristão exibirem em suas praias e em seus países o espírito que muitos deles têm, deduzem que esta é a tendência da religião cristã. A isto, nossos missionários respondem que eles são cristãos só nominais, só especulativos e não crentes verdadeiros. Se milhares dos nossos membros da igreja estivessem entre os pagãos, teriam a mesma razão para se queixar e poderiam responder aos missionários que estes não só são crentes nominais, mas professam ter experimentado a religião cristã em seu coração. E agora, o que responderiam os missionários? Pois, com certeza eles eram religiosos, mas na verdade não conheciam Cristo, que eles estavam se enganando com um nome para viver, enquanto de fato estavam mortos em transgressões e pecados.

Para mim, é questão de surpresa que em uma terra cristã seja uma pedra de tropeço a qualquer pessoa, que alguns, ou se lhe aprouver, a maioria daqueles que professam receber e ter experimentado a verdade desta doutrina, exibam um espírito não cristão. O que você me diz se a mesma objeção fosse levantada contra a religião cristã, contra toda e qualquer doutrina do Evangelho que a grande maioria de todos os crentes professos e recebedores dessas doutrinas era orgulhosa, mundana, egoísta e exibisse senão um espírito certo? Esta objeção poderia ser levantada com verdade contra a professada igreja cristã. Mas a conclusão de tal objeção seria admitida em terras cristãs? Quem não sabe a resposta pronta a todas as objeções como estas, que as doutrinas do cristianismo não sancionam tal conduta, que não é a verdadeira convicção deles que gera algum espírito ou conduta como esta e que a religião cristã detesta todas estas coisas censuráveis? E suponha que fosse respondido que uma árvore é conhecida por seus frutos, e que a vasta maioria de religiosos não exibiria tal espírito, a menos que fosse a tendência do cristianismo em si gerá-lo. Quem não responderia que este estado de mente e curso de conduta do qual se queixam é o estado natural de uma pessoa não influenciada pelo Evangelho de Cristo? Que nestas circunstâncias, por causa da incredulidade, o Evangelho não corrigiu o que já estava errado e que não precisou da influência de qualquer doutrina corrupta para produzir esse estado de mente? A mim me parece que estes opositores contra esta doutrina, por causa do fato de que alguns e talvez muitos que professaram recebê-la, mostraram um espírito errado, dêem como certo que a doutrina produz este espírito em vez de considerarem que um espírito errado é natural aos homens e que a dificuldade é que, por incredulidade, o Evangelho não corrigiu o que antes estava errado. Eles raciocinam como se supusessem que o coração humano precisasse de algo para gerar dentro dele um espírito ruim, e como se imaginassem que uma convicção nesta doutrina tivesse tornado os homens maus, em vez de reconhecer o fato de que eles eram maus antes e que por incredulidade o Evangelho fracassou em torná-los santos.

14. Mas que não seja entendido que eu suponha ou admita que a grande maioria que professou ter recebido esta doutrina em seu coração exibiu um espírito ruim. Tenho de dizer que, até onde vai minha observação, foi eminentemente o contrário. E estou plenamente convicto de que se alguma vez vi o cristianismo e o espírito de Cristo no mundo, foi exibido por aqueles que, como fato geral, professaram receber esta doutrina no coração.

15. O quanto é incrivelmente importante que o ministério e a igreja cheguem a uma compreensão e aceitação certas desta doutrina. Será como vida dentre os mortos! A proclamação disto é considerada por muitos como "novas de grande alegria". De todos os cantos e recantos, obtemos a animadora informação de que os indivíduos estão entrando em profundo descanso e paz do Evangelho, que estão se despertando para uma vida de fé e amor -- e que, em vez de se afundarem no antinomianismo, estão eminentemente mais benevolentes, ativos, santos e úteis do que nunca antes; que estão mais sublimemente devotos, alertas, diligentes, submissos, sóbrios e perfeitos em toda a sua vida. Este é o caráter daqueles -- pelo menos, em grande parte -- que conheci, que aceitaram esta doutrina e professaram ter experimentado seu poder. Digo isto por nenhuma outra razão que não para aliviar a ansiedade daqueles que ouviram relatórios muito estranhos e cujos temores honestos foram despertados com respeito à tendência desta doutrina.

16. Muito aborrecimento foi suportado para demonstrar que nossa visão sobre este assunto é errada. Mas em todo o argumento apresentado a este fim, manifestou até aqui um defeito principal. Nenhum dos oponentes desta doutrina nos mostrou "um caminho ainda mais excelente" (1 Co 12.31). É certamente impossível averiguar o que é errado quando se trata de assunto moral, a menos que tenhamos diante de nós o padrão do certo. Com certeza a mente tem de estar familiarizada com a norma do certo, antes de poder pronunciar com racionalidade que alguma coisa é errada, "porque pela lei vem o conhecimento do pecado" (Rm 3.20). É certamente absurdo para os oponentes da doutrina da santificação plena nesta vida proferir que esta doutrina é errada sem poder nos mostrar o que é certo. Então, a que propósito argumentam aqueles que insistem nesta visão do assunto como errado, enquanto não se propõem a tentar nos dizer o que é certo? Eles não podem querer dizer que as Escrituras não ensinem nada sobre este assunto. E a pergunta é: O que elas ensinam? Apelamos aos denunciadores desta doutrina -- e achamos que a exigência é razoável -- que nos informem de uma vez por todas como os cristãos santos podem e se espera que sejam nesta vida. E deve ficar bem claro que até que apresentem a norma exibida nas Escrituras sobre este assunto, é senão arrogância pronunciar que algo é errado, da mesma maneira que o seria se pronunciassem que algo é pecado sem compará-lo com o padrão do certo. Até que eles nos informem o que as Escrituras nos ensinam, temos de pedir licença para nos desculpar por supormos ser obrigados a crer que o que é ensinado nestas aulas é errado ou contrário à linguagem e ao espírito de inspiração. Esta certamente é questão que não deve ser colocada de lado de qualquer jeito, sem ser resolvida. O alvo o qual temos em mira é estabelecer uma norma definida, ou explicar o que supomos serem os ensinos verdadeiros e explícitos da Bíblia sobre este ponto. E julgamos que é absurdo que os oponentes desta visão tentem nos convencer de erro sem no mínimo tentar mostrar qual é a verdade sobre este assunto. Como se fosse fácil o bastante decidir o que é contrário ao certo, sem possuir conhecimento do que é certo. Pedimos aos nossos irmãos: Ao discutir o assunto, mostre-nos o que é certo. E se isto não é a verdade, mostre-nos um caminho mais excelente e nos convença que estamos errados, mostrando-nos o que é certo. Porque não temos esperança de percebermos que estamos errados, até que vejamos que algo além do que é defendido nesta discussão é certo.

17. Mas antes de concluir minhas observações sobre este assunto, não devo deixar de asseverar o que considero que seja o atual dever dos cristãos. E conservar a sua vontade em um estado de consagração a Deus e tomar posse das promessas de bênçãos prometidas em passagens como: "E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. Fiel é o que vos chama, o qual também o fará" (1 Ts 5.23,24). Este é o nosso dever atual. Que pela fé esperem no Senhor pela limpeza do todo o ser que eles precisam, para confirmá-los, fortalecê-los e firmá-los. Tudo o que podem fazer e tudo o que Deus lhes exige que façam é que o obedeçam a cada momento e tomem posse dEle em favor da bênção sobre a qual temos falado, e com certeza Deus produzirá a resposta no tempo certo e da melhor maneira. Se você crê, a unção que permanece será garantida no seu devido tempo. Com certeza.

 

1 Na edição de 1878, este ponto dá início a uma nova aula intitulada: Santificação.

2 Na edição de 1878, este ponto dá início a uma nova aula intitulada: Santificação.

 

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