A VERDADE DO EVANGELHO
TEOLOGIA SISTEMÁTICA

Charles Finney

 

AULA 23

ARREPENDIMENTO E IMPENITENCIA

 

Na discussão sobre este tema mostrarei: O que o arrependimento não é.

1. A Bíblia representa o arrependimento como uma virtude e como a constituir uma mudança de caráter moral, por conseguinte, não pode ser um fenômeno da inteligência, ou seja, não pode consistir em convicção de pecado, nem em alguma apreensão intelectual de nossa culpa e merecimento do castigo. Todos os estados ou fenômenos da inteligência são estados puramente passivos da mente; portanto, é claro que o caráter moral, no sentido exato do termo, não pode ser pressuposto por esses estados ou fenômenos.

2. O arrependimento não é um fenômeno da sensibilidade, quer dizer, não consiste num sentimento de pesar ou remorso, de compunção ou tristeza pelo pecado, ou de tristeza devido às conseqüências do pecado para o ser humano, nem em quaisquer outros sentimentos ou emoções. Todos os sentimentos ou emoções pertencem à sensibilidade e são -- é óbvio -- estados puramente passivos da mente. Por conseguinte não podem ter caráter moral.

Deve estar bem entendido e sempre presente à mente que o arrependimento não pode consistir em algum estado involuntário da mente, porque é impossível que o caráter moral, no sentido exato da palavra, pertença a estados passivos.

 

O que é arrependimento.

Há duas palavras gregas traduzidas por arrepender-se.

1. Metamelomai, que significa "importar-se com", ou ficar preocupado com os interesses de alguém e, conseqüentemente, mudar o curso de sua trajetória. Este termo geralmente parece ser usado para expressar um estado da sensibilidade, como pesar, remorso, tristeza pelo pecado etc. Mas às vezes também expressa uma mudança de propósito como conseqüência do pesar, remorso ou tristeza, à semelhança do que aparece na seguinte passagem: "Ele, porém, respondendo, disse: Não quero. Mas, depois, arrependendo-se, foi" (Mt 21.29). É usado também para representar o arrependimento de Judas que, evidentemente, consistiu em remorso e desespero (Mt 27.3).

2. Melanoeo, que significa "dar uma segunda olhada", ou falando mais estritamente, mudar a mente da pessoa como conseqüência de se conformar a uma segunda visão mais racional do assunto. Esta palavra expressa evidentemente uma mudança de escolha, propósito, intenção em conformidade com as injunções da inteligência. Sem dúvida esta é a idéia do arrependimento evangélico. É um fenômeno da vontade e consiste na mudança da intenção última do egoísmo para a benevolência. O termo expressa o ato da mudança do coração ou da preferência governante da alma. Pode com propriedade ser traduzido pelos termos "mudando o coração". Com freqüência, a palavra "arrependimento" é usada para expressar pesar, remorso, tristeza etc, sendo usada em sentido tão livre que não transmite uma idéia clara para a mente comum da verdadeira natureza do arrependimento evangélico. Uma mudança do pecado para a santidade, ou falando mais estritamente, de um estado de consagração ao eu para um estado de consagração a Deus tem de ser uma mudança de mente. Este é o arrependimento exigido de todos os pecadores. Nada menos pode constituir um arrependimento virtuoso e nada mais pode ser exigido.

 

O que está implícito no arrependimento.

1. Tal é a correlação da vontade com o intelecto que o arrependimento tem de implicar reconsideração ou segundo pensamento. Tem de implicar auto-reflexão e uma tamanha apreensão de culpa pessoal no que tange a causar a auto-condenação. Que o egoísmo é pecado e que é certo e obrigação consagrar o ser inteiro a Deus e ao seu serviço, são verdades primeiras, necessariamente presumidas por todos os agentes morais. Não são, porém, freqüentemente pensadas ou refletidas. Arrependimento implica a entrega da atenção a considerar e auto-aplicar estas verdades primeiras e, por conseguinte, implica convicção de pecado, culpa e merecimento de castigo, além do senso de vergonha e auto-condenação. Implica uma justificação intelectual e sincera de Deus, de sua lei, do seu governo moral e providencial e de todas as suas obras e seus caminhos.

Implica uma apreensão da natureza do pecado, algo que pertence ao coração, não consistindo essencialmente na questão da conduta exterior, embora esta seja também afetada. Este é um estado totalmente irracional da mente e que, com justiça, sempre merece a ira e maldição de Deus.

Implica uma apreensão da racionalidade da lei e dos mandamentos de Deus e da loucura e insensatez do pecado. Implica entrega intelectual e sincera de toda controvérsia com Deus acerca de todo e qualquer ponto.

Implica uma convicção de que Deus está completamente certo e o pecador completamente errado, bem como um abandono completo e sincero de todas as escusas e desculpas pelo pecado. Implica numa aceitação absoluta e universal de que Deus está isento de toda sombra e todo grau de culpa, resultando, por outro lado, numa tomada completa de toda a culpa do pecado para o indivíduo. Implica uma degradação profunda e completa do eu no pó, um choro da alma contra o eu, e uma exaltação de Deus mais autêntica e universal, intelectual e sincera.

2. O arrependimento evangélico faz também a ligação da vontade com a sensibilidade, pois implica no fato de que a tristeza pelo pecado é necessariamente o resultado da mudança da vontade, junto com as opiniões intelectuais do pecado implícitas no arrependimento. Nem a convicção do pecado, nem a tristeza por ele constituem arrependimento. Todavia, da correlação estabelecida entre a inteligência, a sensibilidade e a vontade, tanto a convicção do pecado quanto a tristeza por ele estão implícitas no arrependimento evangélico, um como necessariamente precedente e o outro como freqüentemente precedente, sendo sempre e necessariamente o resultado do arrependimento. Durante o processo de convicção, acontece muitas vezes que a sensibilidade fica endurecida e insensível. Por outro lado, se há muito sentimento, na maioria das vezes é apenas pesar, remorso, agonia e desespero. Mas quando o coração se entrega e a mudança acontece, freqüentemente é rompida a fonte das grandes profundezas da sensibilidade, as tristezas da alma são estimuladas até o mais profundo do coração e a sensibilidade despeja suas marés borbotantes como uma torrente irresistível. Mas também é comum suceder que nas mentes menos sujeitas à emoção profunda, as tristezas não fluam imediatamente em canais profundos e largos, mas sejam moderadas, comoventes, enternecedoras, chorosas, silenciosas, suavizadoras.

O abominar-se a si mesmo é outro estado da sensibilidade implícito no arrependimento evangélico. Esse estado da mente pode existir com freqüência onde não há o arrependimento, da mesma maneira que acontece com a moralidade exterior, que nem sempre é sinal de mudança da vontade. Mas assim como se espera que a moralidade exterior resulte do verdadeiro arrependimento, este terá também como conseqüência o abominar-se a si mesmo. Esse estado de mente é o resultado natural e necessário dessas visões intelectuais do eu implícitas no arrependimento. Enquanto a inteligência teme a culpa absoluta e vergonhosa do eu e o coração se rende à convicção, a sensibilidade necessariamente simpatiza com essa situação, de modo que um sentimento de abominação e aversão a si mesmo é a conseqüência inevitável.

O arrependimento implica uma abominação e aversão aos pecados dos outros, um sentimento mais profundo e completo de oposição a todo o pecado -- ao meu pecado e ao de todas as outras pessoas. O pecado se torna para a alma penitente a coisa abominável que odeia. Implica uma indignação santa a todo o pecado e a todos os pecadores e uma manifesta oposição a toda forma de iniqüidade.

3. O arrependimento também implica paz de mente. A alma que tem plena confiança na sabedoria infinita e no amor de Deus, na expiação de Cristo e em sua providência universal, não pode senão ter paz. E mais: a alma que abandona todo o pecado e se volta a Deus não está mais num estado de guerra contra si mesma e contra Deus. Tem de ter paz de consciência e paz com Deus. Implica em auto-contentamento com Deus e com todos os santos. Isto tem de resultar da própria natureza do arrependimento. Implica confissão de pecado a Deus e aos homens na medida que o pecado foi cometido contra os homens. Se o coração renuncia completamente o pecado, torna-se benevolente e mostra-se disposto, até onde for possível, a desfazer o mal cometido, a confessar o pecado e a humilhar-se a si mesmo por conta disto diante de Deus e do próximo a quem feriu. O arrependimento implica em humildade ou numa boa vontade a ser conhecida e medida de acordo com o nosso verdadeiro caráter. Implica uma disposição em fazer as coisas certas e confessar nossas faltas a Deus e aos homens, até onde o homem tenha o direito de conhecê-las. Que ninguém que se recusou e ainda se recusa ou negligencia a confessar os seus pecados a Deus e aqueles pecados aos homens contra os quais foram cometidos, professe arrependimento para a salvação, mas que se lembre do que Deus disse: "O que encobre as suas transgressões nunca prosperará; mas o que as confessa e deixa alcançará misericórdia" (Pv 28.13), e novamente: "Confessai as vossas culpas uns aos outros e orai uns pelos outros, para que sareis; a oração feita por um justo pode muito em seus efeitos" (Tg 5.16).

O arrependimento implica numa boa vontade em fazer restituição. Esta ação efetiva se estende até onde vai a capacidade. É óbvio que não se trata de justo arrependimento, no qual não há penitência, quando alguém que tenha ferido pessoalmente o próximo em sua reputação, propriedade ou em qualquer outra coisa não esteja disposto a fazer restituição. Quem negligencia fazê-lo sempre que é capaz é porque não está disposto. Mas é impossível que uma alma verdadeiramente penitente negligencie fazer toda restituição praticável, pela clara razão de que penitência implica uma atitude benevolente e justa da vontade, e a vontade controla a conduta por uma lei da necessidade.

O arrependimento implica em transformação da vida exterior. Isto se segue à transformação do coração por uma lei da necessidade. É naturalmente impossível que uma alma penitente, permanecendo penitente, se entregue a qualquer pecado conhecido. Se o coração foi transformado, a vida deve ser como o coração é.

Implica uma transformação universal de vida, ou seja, uma transformação que se estende a todo pecado exterior. O penitente que assim permanece, não pode mudar apenas com relação a alguns pecados. Se é penitente, deve ter-se arrependido de todo o pecado. Se ele se voltou e se consagrou a Deus, é óbvio que cessou do pecado em particular e de todo o pecado como tal. O pecado, como vimos em ocasião anterior, é uma unidade e, portanto, afastar-se dele implica em santidade. O pecado consiste em egoísmo e a santidade em benevolência desinteressada. É escabrosa tolice, portanto, afirmar que arrependimento pode consentir com a indulgência em alguns pecados. Os chamados pecados pequenos, como também aqueles chamados de pecados grandes, são igualmente rejeitados e detestados pela alma verdadeiramente penitente; isto é proveniente de uma lei da necessidade -- o fato de ser verdadeiramente penitente.

4. O arrependimento implica em fé ou confiança em Deus em todas as coisas. Implica não só na convicção de que Deus é completamente certo em toda a sua controvérsia contra os pecadores, mas também que o coração entregue a esta convicção, e que veio a confiar de forma implícita completamente no Senhor, sob todos os pontos de vista, pode prontamente entregar todos os interesses do tempo e eternidade nas mãos de Deus. O arrependimento é um estado da mente que implica na mais plena confiança em todas as promessas e advertências de Deus, bem como na expiação e graça de Cristo.

 

O que não é impenitência.

1. Não é uma negação ou a mera ausência de arrependimento. Alguns parecem considerar a impenitência como uma não-entidade, como a mera ausência de arrependimento, mas este é um grande engano.

2. Não é mera apatia na sensibilidade com relação ao pecado e um mero desejo de tristeza por ele.

3. Não é a ausência de convicção de pecado, nem o conseqüente descuido do pecador a respeito dos mandamentos de Deus.

4. Não é uma auto-justificação intelectual, nem consiste numa disposição a tornar sutis a verdade e as reivindicações de Deus. Estes podem e freqüentemente são o resultado da impenitência, mas não lhe são idênticos.

5. Não consiste no espírito de dar desculpas, tão freqüentemente manifestado por pecadores. Este espírito é resultado da impenitência, mas não a constitui.

6. Nem consiste no amor do pecado por sua própria causa, nem no amor do pecado em qualquer sentido. Não é apetite, prazer ou ânsia constitucional pelo pecado. Se esta ânsia constitucional pelo pecado existisse, não poderia haver caráter moral, já que seria um estado completamente involuntário da mente. Não seria o crime da impenitência.

 

O que é impenitência.

1. Está representada em todas as páginas da Bíblia como um pecado odioso. Veja este exemplo: "Então, começou ele a lançar em rosto às cidades onde se operou a maior parte dos seus prodígios o não se haverem arrependido, dizendo: Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque, se em Tiro e em Sidom fossem feitos os prodígios que em vós se fizeram, há muito que se teriam arrependido com pano de saco grosseiro e com cinza. Por isso, eu vos digo que haverá menos rigor para Tiro e Sidom, no Dia do Juízo, do que para vós. E tu, Cafarnaum, que te ergues até aos céus, serás abatida até aos infernos; porque, se em Sodoma tivessem sido feitos os prodígios que em ti se operaram, teria ela permanecido até hoje. Porém eu vos digo que haverá menos rigor para os de Sodoma, no Dia do Juízo, do que para ti" (Mt 11.20-24). Aqui, como em outros lugares, a impenitência é representada como a mais exasperante maldade.

2. A impenitência é um fenômeno da vontade e consiste na disposição desta à auto-indulgência sob a luz. Consiste no apego pertinaz da vontade à satisfação do eu, independente de toda a luz em que o pecador esteja cercado. Não é, como foi dito, um estado passivo, ou uma mera negação, ou o amor do pecado por sua própria causa, mas um estado ativo e obstinado da vontade, um agarramento determinado àquele curso da busca do egoísmo que constitui pecado, não advindo de um amor ao pecado, mas por causa da satisfação que este produz. E óbvio que isto, sob a luz, constitui-se em exasperante maldade. Considerando a questão sob este ponto de vista, é fácil dar razão a todos os ais e denúncias que o Salvador articulou contra a impenitência. Quando as reivindicações de Deus são reveladas à mente, o indivíduo deve necessariamente entregar-se a elas ou então fortalecer-se no pecado. Este fortalecimento do eu no pecado sob a luz é a forma particular de pecado que chamamos de impenitência. Todos os pecadores são culpados disto, porque todos têm alguma luz, mas alguns são imensamente mais culpados do que outros.

 

Note algumas coisas que estão implícitas na impenitência.

Como a impenitência consiste essencialmente num apego à auto-indulgência sob a luz revelada, implica:

1. Que o pecador impenitente prefere obstinadamente a sua insignificante e momentânea satisfação a todos os outros e mais sublimes interesses de Deus e do Universo; que pelo fato destas satisfações lhe serem próprias, ou inerentes ao eu, então lhes dá preferência acima de todos os interesses infinitos de todos os outros seres.

2. Implica no deliberado e vigente desprezo não só aos interesses de Deus e do Universo, como não tendo valor algum, mas também no descuido total e até menoscabo dos direitos de todos os outros seres. É uma negação prática que têm de quaisquer direitos ou interesses a serem promovidos.

3. Implica rejeição e desprezo à autoridade de Deus, como também recusa desprezível de sua lei e do Evangelho.

4. Implica vigente justificação de todo o pecado passado. O pecador que se apega à sua auto-indulgência, na presença da luz do Evangelho, na verdade justifica no coração toda a sua rebelião passada.

5. Por conseguinte, a vigente impenitência, especialmente sob a luz do Evangelho glorioso, é uma justificação central de todo o pecado. E tomar partido deliberadamente com os pecadores contra Deus, sendo um virtual endosso de todos os pecados da terra e do inferno. Este princípio está claramente implícito no ensino de Cristo: "Portanto, eis que eu vos envio profetas, sábios e escribas; e a uns deles matareis e crucificareis; e a outros deles açoitareis nas vossas sinagogas e os perseguireis de cidade em cidade, para que sobre vós caia todo o sangue justo, que foi derramado sobre a terra, desde o sangue de Abel, o justo, até ao sangue de Zacarias, filho de Baraquias, que matastes entre o santuário e o altar. Em verdade vos digo que todas essas coisas hão de vir sobre esta geração" (Mt 23.34-36).

6. A vigente impenitência, sob toda a luz e experiência que o pecador agora tem, envolve a culpa de todos os seus pecados passados. Se ele ainda se agarra ao pecado, em seu coração o justifica. Se em seu coração o justifica, virtualmente comete-o outra vez. Se na presença da luz acumulada, ainda persiste no pecado, virtualmente o endossa e o comete outra vez, é novamente culpado de todos os pecados passados.

A impenitência implica aversão total da confiança em Deus, no seu caráter e governo, em suas obras e caminhos. Isto virtualmente acusa Deus de usurpação, falsidade e egoísmo em todas suas formas odiosas. E fazer guerra contra todo o atributo moral de Deus, é inimizade absoluta contra Deus. É inimizade mortal e é claro que sempre se manifesta nos pecadores, como aconteceu quando Cristo esteve na terra. Quando o Senhor derramou a luz sobre os pecadores, estes se endureceram até ficarem maduros para assassiná-lo. Esta é a verdadeira natureza da impenitência. Envolve a culpa de uma inimizade mortal contra Deus.

 

Note algumas das características ou evidências da impenitência.

1. Uma manifesta indiferença aos pecados dos homens é evidência de um estado de mente impenitente e justificador de pecados. E impossível que uma alma penitente não seja profunda e vigorosamente oposta a todo o pecado, e se lhe é vigorosamente oposta, é impossível que não manifeste essa oposição, pois o coração controla a vida mediante uma lei da necessidade.

2. Claro que uma manifesta e sincera satisfação no pecado ou com os pecadores é evidência segura de um estado impenitente da mente. "Qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus" (Tg 4.4). A satisfação sincera com os pecadores é aquela amizade com o mundo que é inimizade contra Deus.

3. Um manifesto desejo de não se opor ao pecado e promover a mudança de coração é indicação segura de um estado impenitente da mente. A alma verdadeiramente convencida de pecado e do qual se afastou para o amor e serviço de Deus, não pode senão manifestar um interesse profundo em todo o esforço de expelir o pecado do mundo. Tal alma não pode senão ser zelosa em fazer oposição ao pecado e em construir e estabelecer a justiça na terra.

4. Um manifesto sinal de antipatia contra Deus a respeito do seu governo, providencial e moral, é evidência de impenitência de coração. Uma alma penitente, como foi dito, quer e tem de justificar Deus em todos os seus caminhos. Isto está implícito no arrependimento genuíno. Uma disposição de reclamar da exatidão e do rigor dos mandamentos de Deus -- falar da providência de Deus de uma maneira reclamante, murmurar de suas partilhas e queixar-se das circunstâncias nas quais uma alma está situada, é evidenciar um estado impenitente e rebelde da mente.

5. Um manifesto sentimento de desconfiança no caráter, fidelidade e promessas de Deus também é evidência segura de um estado impenitente da mente. Uma desconfiança de Deus em qualquer aspecto não pode estar em harmonia com um estado penitente do coração.

6. A ausência de paz de mente é evidência segura de um estado impenitente. A alma penitente tem de ter paz de consciência, porque a penitência é um estado de retidão consciente. Também tem de ter paz com Deus, devido e por causa da confiança na expiação de Cristo. O arrependimento é a mudança de uma atitude de rebelião contra Deus a um estado de submissão universal à sua vontade, além de aprovar essa decisão como boa e sensata. Claro que isto tem de trazer paz para a alma.

7. Toda manifestação inequívoca de egoísmo é evidência conclusiva de impenitência vigente. O arrependimento, como vimos, consiste na mudança da alma do egoísmo para a benevolência. Segue-se evidentemente que a presença de egoísmo, ou um espírito de auto-indulgência, é evidência conclusiva de um estado impenitente da mente. O arrependimento implica na negação do eu, a negação ou sujeição de todos os apetites, paixões e inclinações à lei da inteligência. Portanto, um manifesto espírito de auto-indulgência, uma disposição a buscar a satisfação dos apetites e paixões, como a sujeição da vontade ao uso do tabaco, do álcool ou a quaisquer dos apetites naturais ou artificiais, sob a luz vigente e em oposição à lei da razão, é evidência conclusiva de impenitência presente. Eu digo: "Sob a luz vigente e em oposição à lei da razão". Tais itens, como estes mencionados, às vezes são medicinalmente usados e sob certas circunstâncias são considerados úteis e até indispensáveis à saúde. Em tais casos, o seu uso pode ser um dever. Mas são usados com mais freqüência apenas para satisfazer o apetite e diante de uma convicção secreta de que não são apenas desnecessários, mas absolutamente prejudiciais. Esta indulgência é que se constitui pecado. E impossível que tal indulgência esteja em harmonia com o arrependimento. Tal mente deve estar em impenitência, ou não há tal coisa como impenitência.

8. Um espírito de auto-justificação é outra evidência de impenitência. Esta manifestação deve ser diretamente o oposto do que a alma verdadeiramente penitente fará.

9. Um espírito de dar desculpas à negligência do dever também é evidência conclusiva de um coração impenitente. O arrependimento implica na rendição de todas as desculpas da desobediência e uma obediência sincera a todas as coisas. Claro que onde há uma manifesta disposição de dar desculpas por não ser tudo o que Deus nos exige que sejamos, é certo que há e deve haver um estado impenitente da mente. É guerra com Deus.

10. Uma falta de franqueza em todos os assuntos morais relativos ao eu também trai um coração impenitente. Um estado penitente da vontade é comissionado a saber e abraçar toda a verdade. Portanto, um estado preconceituoso e não franco da mente tem de ser incompatível com a penitência, e uma manifestação de preconceito tem de evidenciar impenitência vigente. Procurarmos a má vontade, termos todas as nossas palavras e caminhos levados à luz da verdade e sermos reprovados quando estamos em erro, são indicações seguras de um estado impenitente da mente. "Porque todo aquele que faz o mal aborrece a luz e não vem para a luz para que as suas obras não sejam reprovadas. Mas quem pratica a verdade vem para a luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque são feitas em Deus" (Jo 3.20,21).

11. Somente transformação parcial de vida também indica que o coração não abraçou toda a vontade de Deus. Quando há uma manifesta disposição a se entregar a algum pecado, não importa quão pequeno seja, é evidência segura de impenitência do coração. A alma penitente rejeita o pecado como pecado. Claro que todo o tipo ou grau de iniqüidade é abominado e detestado. "Porque qualquer que guardar toda a lei e tropeçar em um só ponto tornou-se culpado de todos" (Tg 2.10), ou seja, se alguém em um ponto inequivocamente peca ou desobedece a Deus, é certo que de coração não o obedece verdadeiramente em nada. Ele não tem um estado obediente da mente. Se na verdade tivesse respeito supremo à autoridade de Deus, não poderia senão obedecê-lo em todas as coisas. Se fosse descoberto que um adepto da penitência não manifesta o espírito de obediência universal, se em algumas coisas é evidentemente auto-indulgente, saiba-se que ainda está completamente em pecado e "em fel de amargura e em laço de iniqüidade" (At 8.23).

12. Negligência ou recusa em confessar e fazer restituição, na medida que oportunidade e capacidade são proporcionados, também é indicação segura de um estado injusto e impenitente da mente. Parece impossível a uma alma penitente não ver de imediato e ficar impressionado com o dever de fazer confissão e restituição aos que foram por ela feridos. Quando isto é recusado ou negligenciado, deve haver impenitência. O coração controla a vida por uma lei da necessidade. Quando há um coração que confessa e abandona o pecado, é impossível que isto não se manifeste em confissão e restituição exterior.

13. Um espírito de cobiça ou apego ao mundo é indicação segura de impenitência. "A avareza, que é idolatria." É ter fome, sede e devoção por este mundo. A ganância satisfeita tem de ser prova positiva de um estado impenitente da mente. Se alguém ama o mundo, como habitará nele o amor de Deus?

14. A falta de interesse e compaixão pelos pecadores é indicação segura de impenitência. Se a pessoa viu sua própria culpa e ruína, descobriu-se atolado na cova horrível e no barro lamacento de suas próprias abominações e encontrou o caminho do escape, sentir profundamente pelos pecadores e manifestar grande compaixão, preocupação e zelo pela salvação deles é tão natural quanto respirar. Se esta simpatia e zelo não são manifestados, podemos confiar que ainda há impenitência. Há um desejo total daquele amor a Deus e às almas que sempre está implícito no arrependimento. Você já viu um professo convertido a Cristo cujas compaixões não tenham sido estimuladas e cujo zelo pela salvação das almas não tenha sido despertado? Esteja certo de que você está vendo um hipócrita.

15. A preguiça ou indolência espiritual é outra evidência de coração impenitente. A alma que se volta completamente a Deus, se consagra a Ele e se entrega inteiramente a promover a sua glória na edificação do seu Reino, será e deve ser tudo menos indolente. Uma disposição à ociosidade espiritual, ou à vadiação ou indolência de qualquer tipo, é evidência de que o coração é impenitente.

Eu poderia pesquisar este assunto por tempo indefinido, mas o que já foi dito tem de bastar para o curso deste ensino e ser suficiente para lhe dar a pista pela qual você pode descobrir os rodeios e as ilusões do coração impenitente.

 

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