A VERDADE DO EVANGELHO

MEMÓRIAS DE CHARLES G. FINNEY

por Charles G. Finney

CAPÍTULO XXV.

 
OBRAS EM BOSTON E PROVIDENCE

 

Antes de voltar a minhas recordações de avivamentos, a fim de dar uma noção da relação das coisas, devo falar um pouco mais sobre o progresso do movimento anti-escravatura, ou abolicionista, não somente em Oberlin, mas também em outros lugares, conforme ligados às obras das quais participei. Já falei sobre o estado da opinião pública sobre esse assunto, por todos os lados ao nosso redor, e mencionei que até a legislação do estado, naquela época democrática, esforçava-se para encontrar algum pretexto para reclamar nosso alvará, por causa de nossos sentimentos e atos abolicionistas. Primeiro, declararam por todos os lados, que pretendíamos encorajar casamentos entre alunos negros e brancos e até mesmo compeli-los a uniões inter-raciais, e que nosso objetivo era introduzir um sistema universal de miscigenação. Um pequeno fato ilustrará o sentimento que havia entre as pessoas da vizinhança. Tive a oportunidade de cavalgar por alguns quilômetros, logo que chegamos para ir visitar um fazendeiro por certo motivo. Ele parecia muito desconfiado e mal-humorado, quando descobriu quem eu era e de onde vinha, e confessou-me que não queria nenhum envolvimento com as pessoas de Oberlin, porque nosso objetivo era trazer a amalgamação das raças, e compelir estudantes brancos e negros a casarem uns com os outros, e que também pretendíamos unificar a igreja e o Estado, onde nossas idéias e projetos eram todos revolucionários e abomináveis. Ele realmente acreditava nisso. Mas a coisa era tão ridícula, que eu sabia que se tentasse responder seriamente, acabaria gargalhando em sua cara.

 

Tivemos motivos, nos primeiros dias, para temer que uma gang de uma cidade vizinha viesse e destruiria nossos prédios. Mas não muito tempo depois de chegarmos, ocorreu situações que geraram uma reação na opinião pública. Este lugar tornou-se um dos pontos da linha de ferro subterrânea, como é chamada desde então, onde escravos fugitivos, a caminho do Canadá, refugiavam-se por um ou dois dias, até que o caminho estivesse livre para que prosseguissem. Muitos casos ocorreram nos quais esses fugitivos eram perseguidos por donos de escravos, e um clamor público foi levantado, não somente nesta vizinhança, mas também nas cidades próximas, por suas tentativas de levarem os escravos de volta à escravidão. Os caçadores de escravos não tinham a simpatia do povo, e cenas como essas, logo causaram ressentimento nas cidades circunvizinhas, começando a gerar reações. Isso levou fazendeiros e pessoas ao nosso redor a estudar mais de perto nossos objetivos e pontos de vista, e nossa escola logo se tornou conhecida e querida, o que resultou em um estado de confiança total e sentimentos bons entre Oberlin e toda a região.

 

Enquanto isso, a agitação sobre o assunto da escravidão era grande nas cidades do Leste, bem como no Oeste e no Sul. Nosso amigo, o Sr. Willard Sears, de Boston, enfrentava uma tempestade de oposição lá. E a fim de abrir caminho para uma discussão livre sobre esse assunto em Boston, e para o estabelecimento de uma adoração religiosa, onde um púlpito estaria aberto para a livre discussão de todas as grandes questões da reforma, ele havia comprado o hotel Marlborough na Rua Washington, e ligara a ele uma grande capela para adoração pública e reuniões sobre a reforma, que não conseguiam encontrar abertura em nenhum outro lugar. Isso, ele fizera com muito custo. Em 1842, fui fortemente pressionado a ir ocupar a capela Marlborough, pregando por alguns meses. Fui e comecei minhas obras, pregando com todas as minhas forças por dois meses. O Espírito do Senhor foi imediatamente derramado e havia uma agitação geral em meio aos ossos secos. Eu recebia visitas em meus aposentos quase que constantemente, durante todos os dias da semana, da parte de pessoas que tinham dúvidas, vindas de todos os cantos da cidade, e muitos ganhavam esperança a cada dia.

 

Nessa época, o Presbítero Knapp, o famoso promotor batista de avivamentos, estava trabalhando em Providence, sob forte oposição. Ele foi convidado pelos irmãos batistas em Boston para ir trabalhar ali. Portanto, ele deixou Providence e foi para Boston. Na mesma época, o Sr. Josiah Chapin e muitos outros insistiam muito para que eu fosse realizar reuniões em Providence. Sentia-me muito endividado com o Sr. Chapin pelo que ele fizera por Oberlin, e por mim em particular. Era uma grande prova para mim, deixar Boston, nesse momento. Contudo, depois de encontrar-me com o irmão Knapp e informa-lo sobre toda a situação, fui embora, para Providence. Esse foi o momento do grande avivamento em Boston. Um avivamento que prevaleceu de forma maravilhosa, especialmente em meio aos batistas, e mais ou menos por toda a cidade. Os pastores batistas abraçaram a causa juntamente com o irmão Knapp, e muitos irmãos congregacionais foram grandemente abençoados, e a obra foi muito grande.

 

Enquanto isso, comecei meus trabalhos em Providence. A obra começou quase que imediatamente, e o interesse crescia visivelmente dia após dia. Muitos casos de conversões impactantes aconteceram. Entre eles, havia um senhor de idade cujo nome não me recordo. Seu pai fora um Juiz do supremo tribunal em Massachusetts, se não me engano, muitos anos antes. Este velho senhor morava não muito longe da igreja onde eu realizava as reuniões, na Rua High. Depois de algum tempo de funcionamento da obra, observei um cavalheiro de aparência distinta entrar na reunião, e prestar muita atenção na pregação. Meu amigo, o Sr. Chapin, notou-o imediatamente, informou-me quem ele era, e quais eram suas visões religiosas. Ele disse que o senhor jamais tivera o hábito de participar de reuniões religiosas, e expressou grande interesse nele e no fato de ter comparecido à nossa reunião. Percebi que ele continuava a vir, noite após noite, e pude facilmente observar, como já imaginava, que sua mente estava muito agitada e profundamente interessada no assunto da religião.

 

Certa noite ao encerrar meu sermão, esse cavalheiro se levantou, e perguntou-me se poderiam dizer algumas palavras à congregação. Respondi que sim. Ele então falou conforme se segue: "Meus amigos e vizinhos, vocês estão provavelmente surpresos ao verem-me participar dessas reuniões. Vocês sabem de minhas céticas idéias, e que não tenho o hábito de participar de reuniões religiosas há muito tempo. Mas ao escutar sobre a situação nesta congregação, vim até aqui, e desejo tornar sabido aos meus amigos e vizinhos que acredito que a pregação que temos ouvido, noite após noite, é o evangelho. Mudei minha mente, acredito que isso seja a verdade, e o verdadeiro caminho para a salvação. Digo isso para que vocês entendam minha real motivação para vir aqui, que não é a de criticar e encontrar falhas, mas de atentar para a grande questão da salvação, e encorajar outros a também atentarem a ela." Isso, ele disse com muita emoção, e assentou-se.

 

Havia uma sala muito grande de escola dominical no porão da igreja. O número de pessoas com dúvidas sobre a salvação também cresceu muito, e a congregação estava lotada demais para que esses fossem chamados à frente, como eu já havia feito em outros lugares, portanto, pedi-lhes que descessem após a benção ter sido proferida, para a classe no andar inferior. A classe era quase tão grande quanto à nave da igreja, e comportava aproximadamente o mesmo número de pessoas, sem contar a galeria. A obra cresceu, e espalhou-se por todos os lados da cidade, até que o número de questionadores tornou-se tão grande, juntamente com os jovens convertidos que estavam sempre prontos a descer com eles, a ponto de lotar aquele salão. A cada noite, depois da pregação, aquela sala enchia-se de regozijantes jovens convertidos, e temerosos pecadores e questionadores. Esta situação estendeu-se por dois meses. Eu então estava, ou imaginava estar, completamente esgotado, tendo trabalhado incessantemente por quatro meses, dois em Boston, e dois em Providence. Além disso, chegara, ou estava para chegar, a época do ano em que começariam as aulas em Oberlin. Portanto, peguei minha dispensa de Providence, e parti para casa.

 

Houve um fato ocorrido em Boston que, creio eu, é meu dever relatar. Uma mulher Unitária que se convertera naquela cidade, que era conhecida do Rev. Dr. C. Sabendo de sua conversão, o Dr. C, como mais tarde ele me contou, convidou-lhe a visitá-lo, pois seu estado de saúde era frágil, e ele não poderia ir até ela. Ela aceitou seu convite, e ele disse-lhe que contasse sobre todas as imaginações de sua mente, sobre sua experiência cristã e sobre as circunstâncias de sua conversão. Assim ela o fez. O doutor manifestou grande interesse na transformação de sua mente, e perguntou-lhe se ela tinha alguma coisa que eu tivesse escrito e publicado, para que ele pudesse ler. Ela disse que tinha uma pequena obra minha, a qual fora publicada sobre o assunto da santificação. Ele emprestou a obra, e disse-lhe que leria, e se ela o visitasse novamente na semana seguinte, ficaria muito feliz em discutir o assunto mais a fundo. Depois de uma semana, ela voltou para buscar seu livro, e o doutor lhe disse: "Estou muito interessado neste livro e nas visões apresentadas aqui. Entendo que o objetivo ortodoxo dessa visão de santificação, como apresentada pelo Sr. Finney, mas não consigo compreender, se Cristo é divino e verdadeiramente Deus, por que essa visão deve ser contrariada, nem posso ver nenhuma inconsistência em defender isso como parte da fé ortodoxa. Mesmo assim, gostaria de conhecer o Sr. Finney. Você não pode convencê-lo a vir visitar-me? Pois não posso ir até ele." Ela foi até meu alojamento, mas eu havia deixado Boston para ir a Providence. Depois de uma ausência de dois meses, eu estava em Boston novamente, e essa senhora veio imediatamente ver-me, informando-me disso que acabei de relatar. Mas a essa altura, ele fora para o campo, por conta de sua saúde. Senti muito por não ter tido a oportunidade de vê-lo. Mas ele faleceu pouco tempo depois, e do resto de sua história religiosa, não sei mais nada. Nem posso assegurar a veracidade do que essa senhora disse. Ela foi claramente honesta ao comunicar-me isso, e pessoalmente não tenho dúvidas de que cada palavra que me disse era verdade. Mas era uma estranha para mim, e depois de tanto tempo, não me recordo mais de seu nome. Em meu encontro seguinte com o Dr. Beecher, o nome do Dr. C foi mencionado, e eu relatei-lhe esse fato. As lágrimas começaram a encher-lhe os olhos em um instante, e ele disse muito emocionado "Eu creio que ele foi para o céu!".

 

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