A VERDADE DO EVANGELHO
TEOLOGIA SISTEMÁTICA

Charles Finney 

 

AULA 8

OBEDIÊNCIA À LEI MORAL

 

O governo de Deus nada aceita como virtude, exceto a obediência à lei de Deus.

Mas pode-se perguntar: Por que essa proposição? Essa verdade foi alguma vez questionada? Respondo que a verdade dessa proposição, ainda que aparentemente tão manifesta que questioná-la pode causar justo espanto, é em geral negada. Aliás, é provável que nove décimos da Igreja nominal a neguem. As pessoas são tenazes em sustentar sentimentos inteiramente contrários a ela, o que eqüivale a uma negação direta dela. Sustentam que há muita virtude verdadeira no mundo e ainda assim não há alguém que mesmo por um momento obedeça à lei de Deus; que todos os cristãos são virtuosos e que são verdadeiramente religiosos, mas mesmo assim ninguém sobre a Terra obedece à lei moral de Deus; em suma, que Deus aceita como virtude algo que, em todos os casos, carece de obediência à sua lei. E ainda assim é em geral declarado em seus artigos de fé que a obediência à lei moral é a única evidência adequada de um coração transformado. Com esse sentimento em seu credo, acusam de hereges, como hipócritas, quem quer que professe obedecer à lei e sustentam que os homens podem ser e são piedosos e eminentemente piedosos, mesmo que não obedeçam à lei de Deus. Esse sentimento, que todos sabem ser em geral abrigado por aqueles chamados cristãos ortodoxos, deve pressupor que existe alguma regra de direito ou dever, além da lei moral; ou que a virtude ou verdadeira religião não implica obediência a alguma lei. Nessa discussão, devo:

1. Tentar mostrar que não pode haver regra de direito ou dever, senão a lei moral; e,

2. Que nada mais pode ser virtude ou verdadeira religião, senão a obediência a essa lei, e que o governo de Deus a nada mais reconhece como virtude ou verdadeira religião.

 

Não pode haver uma regra de dever, senão a lei moral.1

Sobre essa proposição observo:

(1) Que a lei moral, conforme vimos, nada mais é que a lei da natureza ou aquela regra de ação fundamentada, não na vontade de Deus, mas na natureza e relações dos agentes morais. Ela prescreve o curso de ação adequado ou conveniente à nossa natureza e relações. E inalteravelmente correto agir em conformidade com nossa natureza e relações. Negar isso é absurdo e contraditório de maneira palpável. Mas se isso for correto, nada mais pode ser correto. Se esse curso nos é obrigatório, em virtude de nossa natureza e relações, nenhum outro curso pode-nos ser obrigatório. Agir de acordo com nossa natureza e relações precisa ser correto, e nada, nada mais nem menos pode ser correto. Se não forem verdades da intuição, então não há verdades da intuição.

(2) Deus jamais proclamou alguma outra regra de dever e, caso o fizesse, não poderia ser obrigatória. A lei moral não se originou em sua vontade arbitrária. Ele não a criou nem pode alterá-la, nem pode introduzir alguma outra regra de direito entre agentes morais. Pode Deus fazer com que outra coisa seja correta, que não o amor dedicado de todo o coração a Ele e a nosso próximo como a nós mesmos? Com certeza não. E estranho que alguns sonhem que a lei da fé tenha suplantado a lei moral. Mas veremos que a lei moral não é esvaziada, mas estabelecida pela lei da fé. A fé verdadeira, pela própria natureza, sempre implica amor ou obediência à lei moral, e amor ou obediência à lei moral sempre implica fé. Conforme já se disse em outra ocasião, nenhum ser pode criar a lei. Nada é nem pode ser obrigatório a um ser moral, exceto o curso de conduta adequado à sua natureza e relações. Nenhum ser pode pôr de lado a obrigação de fazer isso. Nem conclamar algum ser a tornar alguma outra coisa, senão essa, obrigatória. Aliás, não é possível haver alguma outra regra de dever, senão a lei moral. Não pode haver outro padrão com que comparar nossas ações, e sob cuja luz decidir seu caráter moral. Isso nos leva à consideração da segunda proposição, a saber:

 

Que nada pode ser virtude ou religião verdadeira, senão a obediência à lei moral.

Que toda modificação da verdadeira virtude é só obediência à lei moral ficará manifesto se considerarmos:

(1) Que a virtude é idêntica à verdadeira religião;

(2) Que a verdadeira religião não pode consistir devidamente em alguma outra coisa, senão no amor a Deus e ao homem imposto pela lei moral;

(3) Que a Bíblia reconhece de modo expresso o amor como o cumprimento da lei, negando de modo expresso que algo mais seja aceitável a Deus. "De sorte que o cumprimento da lei é o amor" (Rm 13.10). "Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos e não tivesse caridade, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse caridade, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse caridade, nada disso me aproveitaria" (1 Co 13.1-3). O amor é repetidas vezes reconhecido na Bíblia não só como o que constitui a verdadeira religião, mas como toda a religião. Toda forma da verdadeira religião é só uma forma de amor ou benevolência.

O arrependimento consiste na conversão da alma de um estado de egoísmo para a benevolência, da desobediência à lei de Deus para a obediência a ela.

Fé é receber a verdade e o Deus da verdade, confiar neles, abraçá-los, amá-los. É só uma modificação do amor a Deus e a Cristo. Toda graça ou virtude cristã, conforme veremos melhor quando as considerarmos em maiores detalhes, é só uma modificação do amor. Deus é amor. Toda modificação da virtude e santidade em Deus é só amor, ou estado mental que a lei moral requer igualmente de Deus e de nós. A benevolência é toda a virtude em Deus e em todos os seres santos. A justiça, a fidedignidade e todos os atributos morais são só benevolência vista em relações específicas.

Nada pode ser virtude, senão exatamente o que a lei moral exige. Ou seja, nada menos que o que ela requer pode ser, no sentido próprio, virtude.

Uma idéia comum parece ser que os cristãos prestam a Deus um tipo de obediência que é verdadeira religião e que, por causa de Cristo, é aceita por Deus e que, afinal, é de maneira indefinida menos que plena ou inteira obediência a qualquer momento; que o Evangelho de algum modo levou os homens, ou seja, os cristãos a relações tais que Deus de fato aceita deles uma obediência imperfeita, algo muito abaixo daquilo que sua lei exige, que os cristãos são aceitos e justificados, ainda que prestem no máximo uma obediência parcial e mesmo que pequem mais ou menos a todo momento. Ora, isso me parece um erro tão radical quanto bem se pode ensinar. A questão ramifica-se naturalmente em duas indagações distintas:

(1) É possível um agente moral em parte obedecer e em parte desobedecer à lei moral no mesmo momento?

(2) Deus pode, em algum sentido, justificar alguém que não preste obediência presente e plena à lei moral?

A primeira dessas perguntas foi discutida de maneira completa na aula precedente. Pensamos que se demonstrou que a obediência à lei moral não pode ser parcial, no sentido de que a pessoa não pode em parte obedecer e em parte desobedecer, ao mesmo tempo. Cuidaremos agora da segunda pergunta, a saber:

Deus pode, em algum sentido, justificar alguém que não preste obediência presente e plena à lei moral? Ou, em outras palavras, Deus pode aceitar como se fosse virtude ou obediência algo que, no momento, não seja plena obediência ou tudo que a lei requer?

 

O termo justificação é usado em dois sentidos:

(a) No sentido de pronunciar inocente o indivíduo;

(b) No sentido de perdoar, aceitar e tratar alguém que pecou como se não tivesse pecado.

É por este último sentido que os defensores dessa teoria sustentam que os cristãos são justificados, ou seja, que são perdoados e aceitos e tratados como justos, embora pequem a todo momento, não conseguindo prestar aquela obediência exigida pela lei moral. Eles não alegam que sejam justificados em algum momento pela lei, pois ela a todo momento os condena pelo presente pecado; mas que são justificados pela graça, não no sentido de que se tornam real e pessoalmente justos pela graça, mas que a graça os perdoa e aceita e, nesse sentido, os justifica quando cometem no presente uma quantidade indefinida de pecado; que a graça considera-os justos, mesmo que, na realidade, pequem continuamente; que são plenamente perdoados e absolvidos, mesmo que naquele momento estejam cometendo pecado, ficando aquém inteira e perpetuamente da obediência exigida pela lei de Deus naquelas circunstâncias. Ainda que voluntariamente esquivem-se da obediência plena, a obediência parcial deles é aceita, e o pecado de negarem a plena obediência é perdoado. Deus aceita o que o pecador tem em mente dar e perdoa o que voluntariamente retém. Isso não é paródia. É, se os entendo, exatamente o que muitos defendem. Ao considerar esse tema, quero colocar em discussão as seguintes indagações como algo de importância fundamental.

1. Que quantidade de pecado podemos cometer ou quanto podemos ficar a todo momento aquém da plena obediência à lei de Deus e ainda sermos aceitos e justificados?

Essa deve ser uma indagação de importância infinita. Se podemos conscientemente negar a Deus uma parte de nosso coração e ainda sermos aceitos, qual o tamanho da parte que podemos negar a ele? Se podemos amar a Deus menos que de todo o coração e ao próximo menos que a nós mesmos, e sermos aceitos, que quantidade de amor menor que o amor supremo a Deus e amor equivalente ao próximo será aceita?

Diriam a nós que o menor grau de verdadeiro amor a Deus e ao próximo será aceito? Mas o que é verdadeiro amor a Deus e ao próximo? Esse é o ponto chave da indagação. É amor verdadeiro algo que não seja o amor requerido? Se o mínimo grau de amor a Deus será aceito, então podemos amar a nós mesmos mais do que amamos a Deus, e ainda ser aceitos. Podemos amar a Deus um pouco e muito a nós, e ainda permanecer em estado de aceitação diante Deus. Podemos amar um pouco a Deus e um pouco ao próximo, e a nós mesmos mais do que amamos a Deus e a todos os próximos, e ainda permanecer em estado justificado. Ou diriam que Deus deve receber nosso amor supremo? Que se entende por isso? Amor supremo seria amar de todo o coração? Mas isso é obediência plena, não parcial; mas isso é o que estamos indagando. Ou o amor supremo não é amar de todo o coração, mas simplesmente um grau mais elevado de amor do que o amor exercido em relação a qualquer outro ser? Mas até que ponto deve ser maior? Só um pouco? Como medir? Em que escala devemos pesar ou por que padrão devemos medir nosso amor, para sabermos se amamos a Deus um pouco mais do que a qualquer outro ser? Mas quanto amor devemos ter para com o próximo para sermos aceitos? Se podemos amá-lo um pouco menos que a nós mesmos, qual o mínimo para sermos justificados? Com certeza essas perguntas têm importância vital. Mas essas perguntas parecem fúteis. Por que seriam fúteis? Se a teoria que estou examinando for verdadeira, essas perguntas devem não só ser feitas, como devem admitir uma resposta satisfatória. Os defensores da teoria em questão são obrigados a respondê-las. E se não conseguem, é só porque a teoria deles é falsa. É possível que a teoria deles seja verdadeira e mesmo assim ninguém seja capaz de responder perguntas tão vitais como as que acabam de ser propostas? Se uma obediência parcial pode ser aceita, é um pergunta importantíssima: Até que ponto a obediência pode ser parcial ou deve ser completa? Repito que essa é uma pergunta de interesse angustiante. Deus proíbe que sejamos aqui deixados no escuro. Mas, de novo:

2. Se somos perdoados embora recusemos voluntariamente uma parte daquilo que constituiria a plena obediência, não somos perdoados de pecados dos quais não nos arrependemos e perdoados no ato de cometer o pecado pelo qual somos perdoados?

A teoria em questão é que os cristãos jamais, em tempo algum, neste mundo, prestam plena obediência à lei divina; que eles sempre mantêm uma parte do coração longe do Senhor e, mesmo assim, no próprio ato de cometer esse pecado abominável de defraudar voluntariamente a Deus e ao próximo, Deus aceita todos e o serviço deles, perdoando e justificando-os plenamente. Que é isso, senão perdoar uma rebelião presente e pertinaz? Favorecer um miserável que defrauda a Deus! Perdoar um pecado sem que haja arrependimento e em que se persevera de maneira detestável! Sim, é preciso que assim seja, se for verdade que os cristãos são justificados sem plena obediência presente. Isso com certeza deve ser uma doutrina de demônios, que representa Deus recebendo em seu favor um rebelde que tem a mão cheia de armas contra seu trono.

3. Mas que bem pode resultar para Deus, ou para o pecador, ou para o universo, desse perdão e justificação de uma alma não santificada? É possível Deus ser honrado por tal procedimento? O universo santo respeitaria e honraria Deus por tal procedimento? Isso seria recomendável à inteligência do universo? O perdão e a justificação salvariam o pecador enquanto ele continua a manter pelo menos uma parte do coração afastada de Deus, enquanto ainda se apega a uma parte de seus pecados? É possível o Céu ser edificado ou o Inferno confundido e seus sofismas silenciados por tal método de justificação?

4. Mas de novo: Deus tem o direito de perdoar um pecado de que a pessoa não se arrependeu?

Alguns podem ficar alarmados com a pergunta, insistindo que essa é uma pergunta que não temos o direito de agitar. Mas deixem-me inquirir: Deus, como governante moral, tem o direito de agir de modo arbitrário? Não existe algum curso de conduta adequado a Ele? Ele não nos deu inteligência com o propósito de que possamos ser capazes de ver e julgar a propriedade de seus atos públicos? Ele não conclama e exige escrutínio? Por que Ele exige uma expiação do pecado e por que exige arrependimento? Quem não sabe que qualquer magistrado executivo tem o direito de perdoar um pecado se não houver arrependimento? Os termos mais inferiores pelos quais qualquer governante pode exercer misericórdia são arrependimento ou, em outras palavras, um retorno à obediência. Quem já ouviu em algum governo sobre um rebelde ser perdoado ainda que só renuncie a parte de sua rebelião? Perdoar enquanto alguma parte de sua rebelião persiste seria sancionar por um ato público aquilo que falta em seu arrependimento. Seria pronunciar uma justificação pública de sua recusa em prestar obediência plena.

5. Mas teríamos o direito de pedir perdão enquanto perseveramos no pecado de manter uma parte do coração distante dele?

Deus não tem o direito de nos perdoar, e nós não temos o direito de desejar que Ele nos perdoe, enquanto mantemos alguma parte longe da condição de perdão. Enquanto persistimos em defraudar a Deus e ao próximo, não podemos professar penitência e solicitar perdão sem hipocrisia crassa. E Deus perdoaria enquanto nem conseguimos professar arrependimento sem hipocrisia? É um insulto grosseiro a Deus pedir perdão antes de nos arrepender e deixar o pecado.

6. Mas a Bíblia reconhece o perdão do pecado presente enquanto ainda não há arrependimento? Que se encontre a passagem, caso seja possível, em que o pecado é apresentado como algo perdoado ou perdoável sem arrependimento e abandono total. Não é possível encontrar uma passagem desse tipo. O contrário disso sempre se mantém revelado, de maneira expressa ou implícita, em cada página da inspiração divina.

7. A Bíblia em alguma parte reconhece uma justificação no pecado? Onde encontrar tal passagem? A lei não condenaria o pecado em todas as suas gradações? Será que ela não condenaria de modo inalterado o pecador em cujo coração encontra-se a vil abominação? Se uma alma pode pecar e ainda assim não ser condenada, então deve ser porque a lei é anulada, pois, certamente, se a lei ainda permanece em vigor, deve condenar todo pecado. Tiago ensina isso de maneira inequívoca: "qualquer que guardar toda a lei e tropeçar em um só ponto tornou-se culpado de todos" (Tg 2.10). Que é isso, senão afirmar que se pudesse haver obediência parcial, ela seria inútil, já que a lei condenaria por qualquer grau de pecado; que a obediência parcial, caso existisse, não seria considerada obediência aceitável de forma alguma? A doutrina de que uma obediência parcial, no sentido de que nunca se obedecesse plenamente à lei, é aceita por Deus é puro antinomianismo. Quê! Um pecador justificado enquanto se permite rebelar-se contra Deus!

Mas em geral afirma-se na igreja que o pecador deve intentar obedecer à lei, como condição para justificação; que, em seu propósito e intenção, deve abandonar todo pecado; que nada aquém da perfeição de alvo ou intenção pode ser aceito por Deus. Ora, que se entende com esse linguajar? Vimos em aulas anteriores que o caráter moral só pertence propriamente à intenção. Se, portanto, a perfeição de intenção é requisito indispensável da justificação, que é isso, senão um reconhecimento de que a plena obediência presente é uma condição da justificação? Mas isso é o que nós sustentamos e eles negam. Que, então podem estar querendo dizer? É importante certificar o que se entende com a afirmação por eles repetida milhares de vezes: que um pecador não pode ser justificado se não preencher a condição de ter como propósito e intenção abandonar plenamente todo pecado e viver sem pecar; se não intentar seriamente prestar plena obediência a todos os mandamentos de Deus. Intentar obedecer à lei! Que constitui a obediência à lei? Ora, amor, boa vontade, boa intenção. Intentar obedecer à lei é intentar o intento, desejar o desejo, escolher a escolha! Isso é absurdo.

Qual, então, seria o estado mental que é e deve ser a condição da justificação? Não a mera intenção de obedecer, pois isso é apenas intentar um intento, mas intentar o que a lei requer que seja intentado, a saber, o máximo bem-estar de Deus e do universo. A menos que intente isso, é absurdo dizer que a pessoa pode intentar uma obediência plena à lei; que intente viver sem pecar. A suposição é que ela esteja pecando no momento; ou seja, pois nada mais é o pecado que voluntariamente negar a Deus e aos homens o que lhes cabe por direito. Ela escolhe, deseja e intenta isso e, mesmo assim, a suposição é que ao mesmo tempo escolhe, deseja, intenta obedecer plenamente à lei. Que é isso, senão a ridícula afirmação de que ao mesmo tempo intenta plena obediência à lei e intenta não obedecer plenamente, mas só obedecer em parte, negando de maneira voluntária o que cabe por direito a Deus e aos homens?

Mas, de novo, à pergunta: O homem pode ser justificado enquanto o pecado nele permanece? Com certeza não pode, nem por princípios legais, nem por princípios do Evangelho, a menos que a lei seja rejeitada. Que ele não pode ser justificado pela lei enquanto há nele alguma partícula de pecado é por demais evidente, não havendo necessidade de prova. Mas ele pode ser perdoado e aceito e depois justificado no sentido evangélico, enquanto o pecado, qualquer grau de pecado, nele permanece? Decerto, não. Pois a lei, a menos que seja rejeitada, continua a condená-lo enquanto há nele algum grau de pecado. É uma contradição dizer que ele pode ser perdoado e, ao mesmo tempo, condenado. Mas se o tempo todo fica aquém da plena obediência, não existe jamais um momento em que a lei não pronuncie suas maldições contra ele. "Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las" (Gl 3.10). O fato é que nunca houve nem pode haver pecado sem condenação. "Se o nosso coração nos condena, maior é Deus do que o nosso coração e conhece todas as coisas" (1 Jo 3.20), ou seja, Ele nos condena muito mais. Mas "se o nosso coração nos não condena, temos confiança para com Deus" (1 Jo 3.21). Deus não pode revogar a lei. Ela não se fundamenta em sua vontade arbitrária. Ela é inalterável e irrevogável como a própria natureza de Deus. Deus jamais pode revogá-la ou alterá-la. Por amor a Cristo, Ele pode dispensar a execução da penalidade, quando a pessoa volta à plena obediência presente ao preceito, mas em nenhuma outra circunstância e em nenhuma outra condição. Afirmar que Ele pode é afirmar que Deus pode alterar os princípios imutáveis e eternos da lei moral e do governo moral.

8. A próxima indagação é: pode haver algo como arrependimento parcial de pecado? Ou seja, o verdadeiro arrependimento não implica um retorno à plena e presente obediência à lei de Deus?

Arrepender-se é mudar a escolha, propósito, intenção. E escolher um novo fim, começar uma nova vida, deixar a busca do bem próprio e buscar o máximo bem do ser, deixar o egoísmo pela benevolência desinteressada, deixar o estado de desobediência pelo estado de obediência. Decerto, se arrependimento significa e implica algo, implica uma reforma total de coração e vida. Uma reforma de coração consiste em deixar o egoísmo pela benevolência. Vimos numa aula anterior que o egoísmo e a benevolência não podem coexistir, ao mesmo tempo, na mesma mente. Eles são a escolha suprema de fins opostos. Esses fins não podem ser escolhidos ao mesmo tempo. Falar de arrependimento parcial como algo possível é falar de algo sem sentido. E desconsiderar a própria natureza do arrependimento. Quê! A pessoa desiste do pecado e apega-se a ele ao mesmo tempo! Serve a Deus e a Mamom no mesmo exato momento! É impossível. Essa impossibilidade é confirmada tanto pela razão como por Cristo. Mas talvez se objete que o pecado dos que só prestam obediência parcial e que Deus perdoa e aceita não é um pecado voluntário. Isso leva à indagação:

9. Pode haver algum pecado que não seja voluntário?

Que é pecado? Pecado é uma transgressão da lei. A lei requer benevolência, boa vontade. O pecado não é uma simples negação ou uma falta de boa vontade; antes, consiste em desejar a gratificação própria. E um desejo contrário ao mandamento de Deus. O pecado, bem como a santidade, consiste em escolher, desejar, intentar. O pecado precisa ser voluntário; ou seja, deve ser inteligente e voluntário. O fato é que ou não existe pecado ou existe pecado voluntário. Benevolência é desejar o bem do ser em geral, como um fim, e, é claro, implica a rejeição da gratificação própria como um fim. Assim, o pecado é a escolha da gratificação própria como um fim e implica necessariamente a rejeição do bem do ser em geral como um fim. O pecado e a santidade, natural e necessariamente, excluem-se mutuamente. São opostos e antagonistas eternos. Também não podem concordar com a presença do outro no coração. Elas consistem no estado ativo da vontade, e não pode haver nem pecado nem santidade que não consistam em escolha.

10. Não é preciso que o pecado presente seja um pecado de que não se tenha arrependido?

Sim, é impossível alguém arrepender-se do pecado presente. Afirmar que o pecado presente é um pecado de que já se arrependeu é afirmar uma contradição. É desconsiderar tanto a natureza do pecado como a natureza do arrependimento. O pecado é um desejo egoísta; o arrependimento é deixar o egoísmo pelo desejo benevolente. Esses dois estados da vontade, conforme se acabou de dizer, não podem coexistir. Assim, quem quer que esteja, no momento, aquém da plena obediência à lei de Deus está pecando de maneira voluntária contra Deus e é impenitente. Não faz sentido dizer que ele é em parte penitente e em parte impenitente; que é penitente naquilo que obedece e impenitente no que desobedece. Isso realmente parece ser a idéia vaga de muitos, que alguém pode ser em parte penitente e em parte impenitente ao mesmo tempo. Essa idéia sem dúvida está fundamentada no erro de que o arrependimento consiste em pesar pelo pecado ou é um fenômeno da sensibilidade. Mas o arrependimento consiste numa mudança de intenção última -- uma mudança na escolha de um fim -- um ato de deixar o egoísmo pela suprema benevolência desinteressada. É, portanto, claramente impossível alguém ser em parte penitente e em parte impenitente ao mesmo tempo; uma vez que a penitência e a impenitência consistem em escolhas supremas opostas.

Assim, fica claro que nada é aceito como virtude sob o governo de Deus, exceto a plena obediência presente à sua lei.

Se o que se disse é verdadeiro, vemos que a igreja cai num erro grande e ruinoso ao supor que um estado de presente impecabilidade é uma conquista muito rara, senão impossível, nesta vida. Se a doutrina desta aula for verdadeira, segue-se que o próprio início da verdadeira religião na alma implica a renúncia de todo pecado. O pecado cessa onde começa a santidade. Ora, quão grande e ruinoso deve ser o erro que nos ensina a aguardar o Céu enquanto vivemos em pecado consciente; a ver o estado impecável como algo que não se pode atingir neste mundo; que é erro perigoso esperar deixar de pecar, mesmo por uma hora ou um momento, neste mundo; e ainda aguardar o Céu!

Quão grande e ruinoso o erro de pensar que a justificação é condicionada por uma fé que não purifica o coração do crente; que alguém pode permanecer num estado de justificação mesmo vivendo na constante comissão de mais ou menos pecados! Esse erro tem matado mais almas, temo, que todo o universalismo que já amaldiçoou o mundo.

Vemos que, se um homem reto abandona sua retidão e morre em seu pecado, deve afundar no Inferno. Sempre que um cristão peca, fica sob condenação e deve arrepender-se e realizar suas primeiras obras, ou estará perdido.

2 Vimos que tudo que a lei requer é resumidamente expresso numa única palavra: amor, a qual é sinônima de benevolência; que a benevolência consiste na escolha do máximo bem-estar de Deus e do universo como um fim ou por si; que essa escolha é uma intenção última. Em suma, vimos que a boa vontade para com o ser em geral é obediência à lei moral. Agora a pergunta diante de nós é: O que não está implícito nessa boa vontade ou nessa intenção última benevolente?

Uma vez que a lei de Deus, como lei revelada na Bíblia, é o padrão e o único padrão pelo qual se deve decidir a questão de o que está e o que não está implícito na inteira santificação, é de importância fundamental que compreendamos o que está e o que não está implícito na inteira obediência à sua lei. Jamais se pode confinar no julgamento que fazemos de nosso próprio estado ou do estado de outros até que essas indagações sejam respondidas. Cristo era perfeito, e tão errôneas eram as noções dos judeus com respeito ao que constituía a perfeição, que pensavam que Cristo possuísse um demônio, em vez de ser santo, como Ele dizia ser. Declaro, pois, o que não está implícito na inteira obediência à lei moral, conforme entendo. Entendo que a lei, conforme resumida por Cristo, "Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu poder, e ao teu próximo como a ti mesmo" (Dt 6.5), estabelece todo o dever do homem para com Deus e para com seus companheiros. Ora, as perguntas são: O que não está e o que está implícito na perfeita obediência a essa lei?

 

O que não está implícito na perfeita obediência a essa lei.

1. A inteira obediência não implica alguma mudança na substância da alma ou do corpo, pois a lei não requer isso; e, caso requeresse, não seria obrigatória, porque o requerimento seria incoerente com a justiça natural e, portanto, não seria lei. A inteira obediência é a inteira consagração das capacidades, conforme são, a Deus. Ela não implica alguma mudança nelas, mas simplesmente seu uso correto.

2. Não implica o aniquilamento da algum traço que constitui o caráter, tais como o ardor ou a impetuosidade inata. Com certeza não há algo na lei de Deus que exija que tais traços inatos sejam aniquilados, mas que simplesmente sejam corretamente dirigidos em seu exercício.

3. Não implica o aniquilamento de algum dos apetites ou susceptibilidades inatos. Alguns parecem supor que os apetites e susceptibilidades inatos sejam em si pecaminosos e que um estado de inteira conformidade com a lei de Deus implique seu inteiro aniquilamento. Surpreendeu-me muito descobrir que alguns, que eu supunha estarem bem longe de abraçar a doutrina da depravação moral física, estavam recorrendo, afinal, a essa pressuposição para deixar de lado a doutrina da inteira santificação nesta vida. Mas vamos apelar para a lei. Será que a lei em alguma parte condena de modo expresso ou implícito a constituição do homem ou requer o aniquilamento de algo que faça parte de sua própria constituição? Será que exige o aniquilamento do apetite por comida ou se satisfaz simplesmente em regular sua indulgência? Em suma, será que a lei de Deus em alguma parte requer algo mais, senão a consagração de todas as capacidades, apetites e susceptibilidades do corpo e da mente ao serviço de Deus?

4. A inteira obediência não implica o aniquilamento da afeição ou do ressentimento natural. Por afeição natural quero dizer que certas pessoas podem-nos ser naturalmente agradáveis. Parece que Cristo tinha afeição natural por João. Por ressentimento natural quero dizer que, pelas leis de nosso ser, devemos rejeitar ou sentir-nos contrários à injustiça ou maus-tratos. Não que uma disposição de fazer retaliação ou vingar a nós mesmos seja coerente com a lei de Deus. Mas a perfeita obediência à lei de Deus não implica que não devamos ter algum senso de injúria e injustiça quando sofremos abusos. Deus o possui e deve possuí-lo, e assim também todos os seres morais. Amar nosso próximo como a nós mesmos não implica que se ele nos causar dano, não devamos sentir o dano ou injustiça, mas que devemos amá-lo e lhe fazer o bem, apesar do tratamento injurioso por ele dispensado.

5. Não implica algum grau insano de incitação da mente. Alei moral deve ser interpretada como algo coerente com a lei física. As leis de Deus certamente não se chocam umas com as outras. E a lei moral não pode requerer um estado de incitação mental que destrua a constituição física. Ela não pode requerer uma incitação mental além da que seja coerente com todas as leis, atributos e circunstâncias tanto da alma como do corpo. Não implica que algum órgão ou faculdade deva ser a todo tempo exigido ao máximo de sua capacidade. Isso logo esgotaria e destruiria todo e qualquer órgão do corpo. Qualquer que seja a verdade a respeito da mente quando separada do corpo, é certo que é impossível um estado de excitação constante enquanto age por intermédio de um órgão material. Quando a mente é altamente instigada, há necessariamente uma grande concentração de sangue no cérebro. Um alto grau de excitação não pode perdurar longo tempo, sem que se produza inflamação do cérebro e conseqüente insanidade. E a lei de Deus não requer qualquer grau de emoção ou excitação mental incoerente com a vida e a saúde. Nosso Senhor Jesus Cristo não parece ter vivido num estado de excitação mental contínua. Quando Ele e seus discípulos passavam por alguma grande excitação, retiravam-se e "repousavam um pouco" (Mc 6.31).

Quem que já tenha filosofado sobre esse assunto não sabe que o alto grau de excitação às vezes testemunhado em avivamentos religiosos deve ser necessariamente curto ou as pessoas enlouquecem? Parece que às vezes é indispensável que um alto grau de excitação prevaleça por um tempo para atrair a atenção pública e individual, afastando as pessoas de suas atividades, para atender aos interesses de suas almas. Mas se alguém supõe que esse alto grau de excitação é necessário ou desejável, ou que seja possível prolongá-lo, não considerou bem o assunto. E eis aqui grande engano da igreja. Ela supõe que o avivamento consiste principalmente nesse estado de emoção excitada, em lugar da conformidade da vontade humana com a lei de Deus. Assim, quando as razões de tal excitação cessam, e a mente do público começa a se acalmar, de imediato começam a dizer que o avivamento está em declínio; quando, na realidade, com muito menos emoção incitada, pode haver uma religião real muito mais vasta na comunidade. A excitação é com freqüência importante e indispensável, mas os atos vigorosos da vontade são infinitamente mais importantes. E esse estado mental pode existir na ausência de emoções altamente incitadas.

Também não implica que o mesmo grau de emoção, volição ou esforço intelectual seja requerido o tempo todo. Nem todas as volições precisam do mesmo vigor. Elas não podem ter igual vigor porque não são produzidas por motivos igualmente influentes. Um homem deve manifestar forte volição para pegar uma maçã, como se estivesse apagando as chamas de uma casa em fogo? A mãe que vigia o bebê que dorme, quando tudo está calmo e seguro, deve manifestar volições poderosas, como se pode exigir para arrancá-lo de chamas devoradoras? Ora, suponham que ela seja igualmente devotada a Deus ao vigiar o bebê em seu sono e ao resgatá-lo das garras da morte. A santidade dela não consistiria no fato de exercer volições igualmente fortes nos dois casos; mas que em ambos os casos a volição correspondia à realização do que se exigia que fizesse. Assim, essas pessoas podem ser inteiramente santas, ainda que varie continuamente a intensidade de seus sentimentos, emoções ou volições, de acordo com as circunstâncias, o estado de seu sistema físico e a ação em que estão empenhadas.

Todos os poderes do corpo e da mente devem ser mantidos no serviço de Deus e à disposição dEle.

A medida exata de energia física, intelectual e moral a ser empregada na execução do dever varia de acordo com o que requerem a natureza e as circunstâncias do caso. E nada está mais longe da verdade que a idéia de que a lei de Deus requer um estado constante e intenso de emoção e ação mental em toda e qualquer circunstância igualmente.

6. A inteira obediência não implica que Deus deva ser o tempo todo o objeto direto de atenção e interesse. Isso não só é impossível na natureza do caso, como nos tornaria impossível pensar em nosso próximo ou amá-lo como a nós mesmos.

A lei de Deus requer o amor supremo do coração. Com isso entende-se que a preferência suprema da mente deve ser Deus -- que Deus deve ser o maior objeto de sua consideração. Mas esse estado mental é perfeitamente coerente com nosso empenho em quaisquer assuntos necessários da vida -- dar atenção a esse assunto e exercer em relação a ele todo o interesse e emoções exigidos por sua natureza e importância.

Se um homem ama a Deus de modo supremo e empenha-se em alguma atividade para promoção de sua glória, se for sincero, sua disposição e conduta, naquilo que tiverem algum caráter moral, são inteiramente santas quando empenhadas de maneira necessária na correta transação de sua atividade, embora, naquele momento, nem seus pensamentos nem suas emoções estejam em Deus; simplesmente como homem devotadíssimo à sua família, pode estar agindo de maneira coerente com seu interesse supremo e lhe prestando o serviço mais importante e perfeito, enquanto não lhe dirige outro pensamento. O coração moral é a suprema preferência da mente. O coração natural impulsiona o sangue por todo o sistema físico. Ora, existe uma analogia marcante entre isso e o coração moral. E a analogia consiste nisto: que assim como o coração natural difunde a vida no sistema físico por sua pulsação, assim também o coração moral, ou a suprema preferência governante ou intenção última da mente é que dá vida e caráter às ações morais do homem. Por exemplo, suponham que eu me empenhe em ensinar matemática; nisso minha intenção última é glorificar a Deus nessa vocação específica. Ora, ao demonstrar algumas de suas proposições intricadas, sou obrigado, por horas seguidas, a dar toda a atenção de minha mente a esse assunto. Enquanto minha mente é assim intensamente empregada nesse interesse específico, é impossível que eu tenha algum pensamento a respeito de Deus ou exerça alguma disposição direta ou emoção ou volições para com Ele. Ainda assim, se dessa vocação específica exclui-se todo egoísmo e meu desejo supremo é glorificar a Deus, minha mente permanece num estado de inteira obediência, embora, no momento, não pense em Deus.

Deve-se compreender que enquanto a suprema preferência ou intenção da mente tiver tal eficiência que exclua todo egoísmo e empregue exatamente aquele grau de volição, pensamento, disposição e emoções exigidos para o desempenho correto de qualquer dever a que a mente possa ser convocada, o coração permanecerá em estado correto. Por grau adequado de pensamento e sentimento para o desempenho correto do dever, quero dizer aquela intensidade exata de pensamento e energia de ação exigida, segundo minha avaliação honesta, pela natureza e importância do dever específico a que sou convocado no momento.

Ao fazer essa declaração suponho que o cérebro, junto com todas as circunstâncias da constituição, é tal que a quantidade exigida de pensamento, sentimento, etc, é possível. Se a constituição física estiver em tal estado de exaustão, sendo incapaz de exercer aquela dose de esforço que a natureza do caso poderia em outras circunstâncias exigir, mesmo nesse caso, os esforços lânguidos, ainda que muito abaixo da importância do assunto, seriam tudo o que a lei de Deus exige. Quem, portanto, supõe que o estado de inteira obediência implica um estado de inteira abstração da mente de tudo, exceto Deus, labuta sob um engano angustiante. Tal estado mental é incompatível com o dever, bem como impossível, enquanto estivermos neste corpo.

O fato é que a letra e o espírito da lei foram e em geral são incompreendidos de maneira crassa, sendo interpretados como se significassem o que jamais significaram nem podem significar, se forem coerentes com a justiça natural. Muitas mentes foram largadas abertas para os assaltos de Satanás e mantidas num estado de escravidão e servidão contínua, porque Deus não era o tempo todo o objeto de pensamento, sentimento e emoção diretos; e porque a mente não foi mantida num estado de tensão perfeita e excitada ao máximo em todos os momentos.

7. Também não implica um estado de tranqüilidade contínua da mente. Cristo não estava num estado de calma contínua. A profunda paz de sua mente jamais foi quebrada, mas a superfície ou emoções de sua mente ficava com freqüência num estado de grande excitação e, outras vezes, num estado de grande tranqüilidade. E aqui refiro-me a Cristo, conforme temos sua história na Bíblia, como ilustração das posições que já tomei. Por exemplo: Cristo possuía todos os apetites e susceptibilidades inatos da natureza humana. Não fosse assim, jamais poderia ser "como nós, em tudo [...] tentado" (Hb 4.15), nem poderia ter sido tentado em algum ponto como nós, a menos que possuísse constituição semelhante à nossa. Cristo também manifestou afeição natural por sua mãe e por outros amigos. Ele também mostrou que tinha senso de injúria e injustiça, e exerceu um ressentimento adequado quando injuriado e perseguido. Cristo nem sempre se manteve num estado de grande excitação. Parece que Ele teve seus momentos de excitação e de serenidade -- de labuta e descanso -- de gozo e dor, como outros bons homens. Alguns falam de inteira obediência à lei, como se ela implicasse um estado de tranqüilidade uniforme e universal, e como se todo tipo e grau de sentimento exaltado, exceto o sentimento de amor a Deus, fossem incompatíveis com esse estado. Mas Cristo com freqüência manifestou grande grau de excitação quando reprovava os inimigos de Deus. Em suma, sua história levaria à conclusão de que sua tranqüilidade e excitação eram várias, de acordo com as circunstâncias do caso. E embora às vezes tenha sido muito penetrante e severo em sua reprimenda, chegando a ser acusado de ser possuído de demônio, ainda assim suas emoções e sentimentos eram só os exigidos e adequados à ocasião.

8. Também não implica um estado de docilidade contínua da mente, sem nenhuma indignação ou ira santa contra o pecado e os pecadores. A ira diante do pecado é só uma modalidade do amor para com o ser em geral. Um senso de justiça, ou uma disposição de ver o perverso punido para benefício do governo, é só outra das modalidades de amor. E tais disposições são essenciais à existência do amor, quando as circunstâncias exigem seu exercício. Diz-se que Cristo ficou irado. Ele com freqüência manifestava ira e indignação santa. Ele é "um Deus que se ira todos os dias" (Sl 7.11). E a santidade, ou estado de obediência, em vez de ser incompatível com a existência da ira, sempre a implica, desde que ocorram circunstâncias que exijam seu exercício.

9. Não implica um estado mental que seja todo compaixão e nenhum senso de justiça. A compaixão é só uma das modalidades do amor. A justiça ou o desejo de que a lei seja executada e o pecado, punido, é outra de suas modalidades. Deus, Cristo e todos os seres santos exercem todas aquelas disposições que constituem as diferentes modalidades do amor em todas as circunstâncias possíveis.

10. Não implica que devamos amar ou odiar igualmente a todos os homens, independentemente de seu valor, circunstâncias e relações. Um ser pode possuir capacidade muito maior para o bem-estar e ser muito mais importante para o universo que outro. A imparcialidade e a lei do amor requerem de nós que não consideremos todos os seres e objetos igualmente, mas todos os seres e objetos de acordo com sua natureza, relações, circunstâncias e valor.

11. Também não implica um conhecimento perfeito de todas as nossas relações. Uma interpretação da lei que nos tornasse necessário, para prestar obediência, compreender todas as nossas relações, implicaria em nós a posse do atributo de onisciência; pois certamente não existe um ser no universo com quem não mantenhamos alguma relação. E um conhecimento de todas essas relações implica claramente um conhecimento infinito. É evidente que a lei de Deus não pode requerer uma coisa dessas.

12. Também não implica isenção de erros em algum assunto, qualquer que seja. Alguns sustentam que a graça do Evangelho concede a todos conhecimento perfeito ou, pelo menos, conhecimento tal que o livra de todo erro. Não posso parar aqui a fim de debater essa questão, mas só diria que a lei não requer expressa ou implicitamente de nós uma infalibilidade de julgamento. Ela só requer que façamos o melhor uso que podemos de toda a luz que temos.

13. Não implica o mesmo grau de conhecimento que teríamos, caso sempre aumentássemos nosso tempo empenhado em sua aquisição. A lei poderia exigir que amemos a Deus ou aos homens da maneira como seríamos capazes de amá-los, caso sempre aumentássemos nosso tempo empenhado na obtenção de todo o conhecimento que poderíamos a respeito da natureza, caráter e interesses deles. Se isso estivesse implícito na requisição da lei, não haveria um santo na Terra ou no Céu que obedecesse ou pudesse obedecer de modo perfeito. O que se perdeu nesse sentido está perdido, e a negligência passada jamais pode ser remediada, jamais seremos capazes de repor em nossas aquisições de conhecimento aquilo que perdemos. Sem dúvida será verdade por toda a eternidade que teremos menos conhecimento do que poderíamos ter, caso empregássemos todo o nosso tempo em sua aquisição. Não amamos, não podemos amar nem jamais seremos capazes de amar a Deus como poderíamos amá-lo, se tivéssemos sempre voltado nossa mente para a aquisição do conhecimento a seu respeito. E se a inteira obediência deve ser compreendida como algo que implique um amor a Deus no grau devido, caso tivéssemos todo o conhecimento que devíamos ter, então, repito, não existe nem jamais existirá um santo na Terra ou no Céu que seja inteiramente obediente.

14. Não implica o mesmo volume de serviço que teríamos prestado, caso jamais tivéssemos pecado. A lei de Deus não implica ou supõe que nossas capacidades estejam em perfeito estado; que nossa capacidade física ou mental seja como seria, caso jamais tivéssemos pecado. Mas simplesmente requer que usemos a capacidade que possuímos. O próprio palavreado da lei é prova conclusiva de que ela estende sua exigência só ao volume pleno da capacidade que temos. E isso diz respeito a todo ser moral, por maior ou menor que seja.

O desenvolvimento e progresso mais perfeito de nossas capacidades devem depender do mais perfeito uso deles. E todo distanciamento de seu uso perfeito é uma diminuição de seu desenvolvimento máximo e uma redução de sua capacidade de servir a Deus de modo melhor e mais elevado. Todo pecado, portanto, aleija e reduz as capacidade do corpo e da mente, tornando-os proporcionalmente incapazes de executar o serviço que, de outro modo, poderiam prestar.

Quanto a essa perspectiva do assunto, objeta-se que Cristo ensinou uma doutrina oposta, no caso da mulher que lhe lavou os pés com lágrimas, ao dizer: "mas aquele a quem pouco é perdoado pouco ama" (Lc 7.47). Mas é possível dizer que Cristo desejava que entendessem que seu ensino era que quanto mais pecamos, maior é o nosso amor e nossa virtude última? Se for, não vejo por que não se segue que quanto mais pecarmos nesta vida, melhor, se formos perdoados desse modo. Se nossa virtude é de fato aumentada por nossos pecados, não vejo por que não seria de bom siso, tanto para Deus como para o homem, pecar tudo o que pudermos enquanto estivermos neste mundo. Com certeza Cristo não pretendia estabelecer um princípio como esse. Sem dúvida ele queria ensinar que uma pessoa realmente sensível à grandeza dos próprios pecados exerceria mais o amor e a gratidão do que exerceria alguém que tivesse menos consciência de seu desmerecimento.

15. A inteira obediência não implica o mesmo grau de fé que teríamos exercido, não fossem nossa ignorância e pecados passados. Não podemos crer, em relação a Deus, em algo de que não tenhamos indícios nem conhecimento. Nossa fé deve ser, por conseguinte, limitada por nossas percepções intelectuais da verdade. Os pagãos não têm obrigação de crer em Cristo e em milhares de outras coisas de que não têm conhecimento. A perfeição num pagão implicaria muito menos fé que em um cristão. A perfeição num adulto implicaria fé muito maior e mais firma que numa criança. E a perfeição num anjo implicaria fé muito maior que num homem, proporcional ao que sabe mais que o homem a respeito de Deus. Deve-se compreender sempre que a inteira obediência a Deus jamais implica algo que seja naturalmente impossível. É naturalmente impossível para nós crermos em algo de que não temos conhecimento. A inteira obediência implica, nesse sentido, nada mais que fé sincera ou confiança em toda a verdade percebida pelo intelecto.

16. Também não implica a conversão de todos os homens em resposta a nossas orações. Alguns sustentam que a inteira obediência implica a apresentação de orações persuasivas pela conversão de todos os homens. Quanto a isso replico: então Cristo não obedeceu, pois não apresentou tal oração. Alei de Deus não faz exigências nesse sentido, seja de maneira expressa, seja de maneira implícita. Não temos o direito de crer que todos os homens converter-se-ão em resposta a nossas orações, a menos que tenhamos uma promessa expressa ou implícita a respeito. Uma vez que não há tal promessa, não temos obrigação de apresentar essa oração. A não-conversão do mundo também não implica que não haja no mundo santos que obedeçam plenamente à lei de Deus.

Não implica a conversão de alguém a respeito de quem não haja uma promessa expressa ou implícita na Palavra de Deus. O fato de Judas não se ter convertido em resposta à oração de Cristo não prova que Cristo não obedeceu plenamente.

Também não implica que todas as coisas expressa ou implicitamente prometidas serão concedidas em resposta a nossas orações; ou, em outras palavras, que devamos orar com fé por elas, caso não saibamos da existência ou aplicação dessas promessas. Um estado de perfeito amor implica o cumprimento de todo dever conhecido. E, estritamente falando, nada de que a mente não tenha conhecimento pode ser dever. Não podemos, portanto, ter o dever de crer numa promessa de que não tenhamos um conhecimento ou de que não compreendamos a aplicação específica a um objeto.

Se houver pecado nesse caso, está no fato de a alma ser negligente, não tendo conhecimento daquilo que devia. Mas deve-se sempre compreender que o pecado está nessa negligência que leva à falta de conhecimento, não na negligência em relação àquilo de que não temos conhecimento algum. A inteira obediência é incompatível com qualquer negligência presente em buscar conhecimento da verdade; pois tal negligência é pecado. Mas não é incompatível com nossa negligência em relação àquilo de que não temos conhecimento. Tiago diz: "Aquele, pois, que sabe fazer o bem e o não faz comete pecado" (Tg 41.7). "Se fósseis cegos," diz Cristo, "não teríeis pecado algum; mas, porque agora dizeis: Nós vemos, subsiste o vosso pecado" (Jo 9.41).

17. A inteira obediência à lei divina não implica que outros considerarão naturalmente que nosso estado mental e nossa vida estejam em tudo conformados com a lei.

Os judeus criam e insistiam que Jesus Cristo era possuído por um espírito maligno, não santo. Suas noções a respeito da santidade eram tais que, sem dúvida, supunham-no atuar por qualquer outro, não pelo Espírito de Deus. Em especial, faziam essa suposição por conta da oposição que Jesus fazia à ortodoxia da época e à impiedade dos mestres religiosos contemporâneos. Ora, quem não vê que, quando a igreja conforma-se em grande medida ao mundo, um espírito de santidade em qualquer pessoa com certeza a leva a almejar uma dura reprimenda ao espírito e vida dos que estejam nesse estado, ocupem eles posições elevadas ou humildes? E quem não vê que esse mundo resulta naturalmente em Cristo ser acusado de possuir espírito perverso? E quem não sabe que sempre que um mestre religioso vir-se na obrigação de atacar uma falsa ortodoxia, certamente será caçado, quase como animal de rapina, pelos mestres religiosos da época, cuja autoridade, influência e ortodoxia forem assim atacados?

18. Também não implica isenção de dor e sofrimento mental. Isso não ocorreu com Cristo. Também não é incompatível com nosso pesar por pecados que cometemos no passado e pesar por não termos a saúde, o vigor, o conhecimento e o amor que deveríamos ter, caso tivéssemos pecado menos; ou pesar por alguns à nossa volta -- pesar diante do pecado ou sofrimento humano. Tudo isso é compatível com um estado de grato amor para com Deus e o homem, sendo, aliás, conseqüências naturais dele.

19. Não é incoerente com nossa vida numa sociedade humana -- com a presença nos cenários do mundo e a participação em seus negócios, conforme supõem alguns. Assim, as noções absurdas e ridículas dos papistas que se retiram em mosteiros e conventos -- que vestem o hábito, como dizem, recolhendo-se para uma vida de devoção. Ora, suponho que esse estado de exclusão voluntária da sociedade humana é de todo incompatível com qualquer grau de santidade, sendo violação manifesta da lei de amar nosso próximo.

20. Também não implica severidade de temperamento e modos. Nada está mais longe da verdade que isso. Diz-se de Xavier, talvez jamais tenha vivido homem mais santo que ele, que "era tão alegre que, com freqüência, era chamado libertino". A alegria é decerto o resultado do amor santo. Uma inteira obediência não implica sisudez neste mundo nem no céu.

Em todas as discussões acerca da santidade que tenho presenciado, os escritores raramente ou nunca levantam uma indagação específica: O que implica a obediência à lei de Deus e o que não implica? Em vez de passar tudo por esse teste, parecem perdê-lo de vista. Por um lado, incluem elementos que a lei de Deus jamais exigiu do homem no estado presente. Assim, colocam uma pedra de tropeço e um laço para os santos, mantendo-os em servidão perpétua, supondo que este é o recurso para mantê-los humildes: colocar o padrão inteiramente acima de seu alcance. Ou, por outro lado, realmente anulam a lei, a ponto de torná-la não mais obrigatória. Ou desperdiçam o que realmente está implícito, a ponto de nada deixar em suas exigências, senão um sentimentalismo ou perfeccionismo doentio, esdrúxulo e ineficiente que, com suas manifestações e conseqüências, parece-me tudo, menos aquilo que a lei de Deus requer.

21. Não implica que sempre ou invariavelmente almejemos cumprir nosso dever. Ou seja, não implica que a intenção sempre ou invariavelmente termine em dever como fim último. E nosso dever almejar ou intentar o máximo bem-estar de Deus e do universo, como um fim último ou por si. Esse é o fim infinitamente valioso que devemos almejar o tempo todo. É nosso dever almejar isso. Enquanto almejamos isso, cumprimos nosso dever, mas almejar o dever não é cumprir o dever.

Também não implica que sempre pensemos, no momento, que seja nosso dever ou obrigação moral intentar o bem do ser. Essa obrigação é uma verdade primeira, sendo sempre e necessariamente pressuposta por todo agente moral, e essa pressuposição ou conhecimento é uma condição de sua agência moral. Mas não é de modo algum essencial para a virtude ou verdadeira obediência à lei moral que a obrigação moral deva a todo tempo estar presente nos pensamentos como um objeto de atenção.

Também não implica que a retidão ou o caráter moral da benevolência seja, a todo momento, objeto de atenção da mente. Podemos intentar a glória de Deus e o bem de nosso próximo, sem a todo momento pensar no caráter moral dessa intenção. Mas a intenção não é menos virtuosa por isso. A mente, sem consciência, mas necessariamente, pressupõe a retidão da benevolência ou de desejar o bem do ser, assim como pressupõe outras verdades primeiras, sem uma consciência específica da pressuposição. Não é, portanto, de modo algum essencial à obediência à lei de Deus que tenhamos o tempo todo em nossa mente o caráter virtuoso ou moral da benevolência.

22. A obediência à lei moral também não implica que a lei em si seja o tempo todo objeto de pensamento ou da atenção da mente. A lei permanece desenvolvida na razão de todo agente moral em forma de uma idéia. É a idéia daquela escolha ou intenção que todo agente moral é obrigado a exercer. Em outras palavras, a lei, como uma regra de dever, é uma idéia subjetiva sempre e necessariamente desenvolvida na mente de todo agente moral. Essa idéia ele sempre e necessariamente leva consigo, e ele é sempre e necessariamente uma lei para si mesmo. Entretanto, para a mente, essa lei ou idéia nem sempre é o objeto de atenção e pensamento. Um agente moral pode exercer boa vontade ou amor para com Deus e para com os homens, sem às vezes ter consciência de pensar que esse amor é requerido dele pela lei moral. Além disso, a mente benevolente, se eu não estiver enganado, em geral exerce benevolência de maneira tão espontânea que, a maior parte do tempo, nem chega a pensar que esse amor a Deus é dela exigido. Mas esse estado mental não é menos virtuoso por conta disso. Se o valor infinito do bem-estar de Deus e de sua infinita bondade constrange-me a amá-lo de todo o coração, pode alguém supor que isso seja por Ele considerado menos virtuoso porque não esperei para refletir que Deus ordenou-me que o amasse e que era meu dever fazê-lo?

O objeto em que a intenção deve ou deveria terminar é o bem do ser, não a lei que exige de mim que o deseje. Quando desejo esse fim, desejo o fim correto, e esse desejo é virtude, quer a lei esteja, quer não, no pensamento. Caso se diga que posso desejar esse fim por um motivo errado e, desse modo, desejá-lo não seria virtude; que a menos que o deseje por causa de minha obrigação e intente obedecer à lei moral ou a Deus, não é virtude; respondo que a objeção implica um absurdo e contradição. Não posso desejar o bem de Deus e do ser como um fim último por um motivo errado. O motivo da escolha e o fim escolhido são idênticos, de modo que se desejo o bem do ser como um fim último, desejo-o pelo motivo correto.

É impossível desejar o bem de Deus como um fim por causa de sua autoridade. Isso faz com que sua autoridade seja o fim escolhido, uma vez que a razão é idêntica ao fim escolhido. Assim, desejar algo porque Deus o exige é desejar a exigência de Deus como um fim último. Não posso, portanto, amar a Deus com algum amor aceitável, tendo por motivo principal o fato de Ele o ordenar. Deus jamais pretendeu induzir suas criaturas a amá-lo ou a desejar seu bem por meio de uma ordem nesse sentido.

23. A obediência à lei moral não implica que devamos tratar, na prática, de todos os interesses que sejam de igual valor de acordo com seu valor. Por exemplo, o preceito "Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Mt 19.19) não pode significar que devo exercer igual cuidado com minha alma e a alma de cada ser humano. Isso seria impossível. Também não significa que eu deva exercer o mesmo cuidado e supervisão com minha família e todas as famílias da Terra. Também não significa que eu deva dividir qualquer propriedade, ou tempo, ou talento, por menor que seja, igualmente entre toda a humanidade. Isso seria:

(1) Impossível.

(2) Antieconômico para o universo. Faria melhor para o universo se cada indivíduo desse sua atenção especificamente à promoção daqueles interesses que estejam a seu alcance e que se coloquem sob sua influência de tal maneira, que ele possua vantagens especiais para promovê-los. Todo interesse deve ser estimado de acordo com seu valor relativo; mas nossos esforços para promover interesses particulares devem depender de nossas relações e capacidade de promovê-los. Podemos não ter a obrigação de promover alguns interesses de grande valor, enquanto podemos ter a obrigação de promover interesses de valor significativamente menor, em razão de sermos capazes de promovê-los. Devemos desejar a promoção daqueles interesses que podemos promover de maneira mais certa e extensa, mas sempre de modo que não interfira em outros que promovam outros interesses, de acordo com seu valor relativo. Todas as pessoas devem promover a salvação de si mesmas e da própria família, não porque diz respeito a si mesmas, mas porque é valiosa em si e porque é especialmente confiada a elas, por estar no raio de seu alcance direto. Esse é um princípio pressuposto em toda parte no governo de Deus, e desejo que seja bem mantido na mente quando prosseguirmos em nossas investigações, uma vez que, por um lado, evitará mal-entendidos e, por outro, evitará a necessidade de circunlóquio quando desejarmos expressar a mesma idéia; o verdadeiro intento e significado da lei moral, sem dúvida, é que cada interesse ou bem conhecido a um ser moral seja estimado de acordo com seu valor intrínseco e que, em nossos esforços para promover o bem, almejemos a obtenção do maior volume praticável e empenhemos nossos esforços onde, conforme parece pelas nossas circunstâncias e relações, possamos realizar o máximo bem. Em geral isso pode ser feito, acima de qualquer dúvida, só quando cada um se presta à promoção daqueles interesses específicos colocados mais dentro do raio de sua influência.

 

1. Veja Aula 2 -- Exclusividade.

2. Na edição de 1878, aqui começa uma nova aula intitulada: Obediência à Lei Moral.

 

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